Chico Buarque e Jorge Helder na gravação de Samba Doce (Foto: Maria Carolina Rodrigues/ Divulgação)

Em 2015, quando Jorge Helder foi entrevistado para as Páginas Azuis do O POVO, o assunto “disco autoral” já foi tema. “Eu estou pagando todo mundo, tudo sai do meu bolso. Ninguém quer cobrar, mas eu pago. E essa falta de recurso me causa uma frustração muito grande. Mas, às vezes, essa frustração acaba sendo benéfica por que eu fico reavaliando, querendo reconstruir, começar do zero, achando uma merda. O risco que eu corro é de nunca fazer esse CD”. A explicação veio antes de mais uma gargalhada, mas ele ri melhor agora, quando, enfim, Samba Doce ficou pronto.

“Eu comecei o Samba Doce no início de 2013. Estava mais ou menos com o repertório fechado. Não tinha esse nome por que é a ultima música que fiz, em 2017. Desisti de algumas músicas que tinha composto, cheguei a gravar, mas não fiquei satisfeito. Depois que ouvi Tom Jobim dizer que quando ia compor usava mais a borracha que o lápis, fiquei mais tranquilo”, conta o baixista cearense, radicado no Rio de Janeiro, uma das figuras mais fáceis de encontrar em fichas técnicas de discos da MPB. Do rock ao erudito, do choro ao jazz, do samba ao pop, ele já tocou com uma infinidade de artistas. Isso explica, em grande parte, o elenco selecionado para sua estreia.

Jorge Helder (Foto: Nelson Faria/ Divulgação)

Samba Doce está sendo lançado pelo Selo Sesc com 10 composições de Jorge Helder – e eventualmente parceiros – que, se não dão conta de todos os astros que orbitam seu universo musical do músico, pelo menos deixa bem claro as intenções, o refino e o bom gosto cirúrgico do homem que Maria Bethânia chama de “baixo mais disputado do Brasil”. “Quis passar a ideia de que o protagonista é a música e todos os músicos. Todos têm destaque, mesmo quando tem cantor. Para exatamente o protagonista ser o CD, todos os músicos, os cantores”, explica ele que reuniu mais de 40 artistas em diferentes formações. Até a capa parte de um convite especial: trata-se de um desenho de Fausto Nilo feito a partir da foto de crianças africanas dançando.

A faixa-título abre o disco com um trio de baixo (Jorge), violão (Lula Galvão) e bateria (Erivelton Silva) que remete aos famosos trios do auge da bossa nova. Em seguida vem uma parceria com Aldir Blanc, Dorivá, cantada por Dori Caymmi. “Compus essa música por que estava ouvindo um disco do Dori, Brazilian Serenade, mas não disse ao Aldir. Apenas mostrei a música e ele fez uma letra em homenagem ao Dorival. Quando eu vi a letra, tive certeza de que iria chamar o Dori. Ninguém melhor que ele”, lembra Jorge que ainda acrescentou a Orquestra de Cordas de São Petersburgo com arranjo e regência do maestro Mário Adnet.

E a viagem segue com Passo o Ponto, um samba de big band azeitado pela Orquestra Atlântica e pelo piano de Stefano Bollani, italiano fã de samba. Inocente blues é uma parceria com Rosa Passos, que conta com a própria nos vocais e Antonio Adolfo ao piano. Vagaroso é um tema dramático que Jorge aponta como “a mais erudita do disco”. Escrita para piano e sax, a faixa conta com Marcos Nimridhter e Nailor Proveta como solistas. “A curiosidade dessa faixa é que eu não toco”, comenta Jorge Helder. O parceiro de palco Chico Buarque canta em Bolero blues, lançada no álbum Carioca (2006) e que aparece em novo arranjo. “Os músicos dessa música são os da banda do Chico. Sempre que eu chamava amigos, eu me preocupava com o estilo que eles iam tocar, o mesmo cuidado que tive com os cantores”, explica.

Jorge e Dori Caymmi (Foto: Maria Carolina Rodrigues/ Divulgação)

Outubro 86 entrega quando a faixa foi composto (“Não tem o dia por que eu não consigo compor num dia só”) e conta com a participação do guitarrista Nelson Faria, amigo de Jorge desde que eles moraram em Brasília nos início dos anos 1980. Outra parceria com Chico Buarque, lançada por este em 2011, Rubato ganha a voz de Renato Braz. “Sempre fui muito fã do Renato Braz, sempre fui muito impressionado com a obra dele. Já o vi cantando músicas distintas e sempre com muita naturalidade. O convidei e essa foi uma ótima oportunidade de convidar meus amigos de São Paulo”, situa Jorge seguindo com Tema novo, curiosamente a faixa mais antiga do disco. “Quando eu saí de Fortaleza pra ir morar em Brasília, ficava na janela do apartamento olhando e imaginando que ao final do horizonte tinha o mar. Eu tinha uma saudade muito grande e comecei a compor. Eu tinha muitas saudades dos amigos, dos pais e esse tema é bem nostálgico, remete a esse saudosismo que eu tinha”.

O encerramento é com Casualmente, mais uma parceria com Chico Buarque (gravada em Caravanas). “Como sou muito amigo do Boca Livre, não tive dúvidas de que seriam eles. Junto com o Boca, veio o Pantico Rocha (bateria) e João Carlos Coutinho (piano), que tocam com eles”, adianta Jorge Helder que, embora já tenha cantado em outras ocasiões, não quis colocar a própria voz no disco de estreia. “Não pretendo ser cantor não. No Cantinho do Frango (onde cantou num show durante o Carnaval) é porque estou entre amigos, me sinto à vontade. É um momento de relaxamento, me dá uma felicidade muito grande. Aí pode tudo, eu não tenho essa cobrança. Eu já cantei na Sala São Paulo, com o Edu Lobo, mas eu tenho um problema de desvio de septo e meu nariz está sempre fechado. Aí cantar com o nariz fechado não dá. E se a música tiver um ‘b’ então…”

JOrge Helder e o maestro Mário Adnet (Foto: Maria Luiza Sumienski/ Divulgação)

Cantar ele tem certeza que não quer, mas, fora isso, ele não tem planos sobre investir mais em composição, gravar mais discos. “Agora, eu nem sei qual é o meu objetivo. No momento, eu quero retomar minha rotina, minhas gravações. Ainda não veio esse anseio de pensar num novo projeto e o que eu vou fazer num novo projeto. Compor pra mim é um exercício. O start é muito difícil. A primeira nota pode ser qualquer uma, mas é ela que dá o start. Tenho que ficar semanas tocando até”, explica ele que, por outro lado, nos últimos meses, esteve envolvido com produções e gravações de discos de Maria Bethânia, Indiana Nomma, Amaro Penna, além de dar aulas e estudar bastante. Agora ele espera o lançamento de Samba Doce em formato físico. “Como as unidades do Sesc estão fechadas, eles ainda não produziram nenhum disco físico. Mas eles vão fazer na sequencia, por que antes já tinha o da Nana Caymmi e do Eduardo Gudim pra sair. Por coincidência eu gravei nos dois”.

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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