Capa do disco de estreia de Falcão

Flávio Mantovani (jornalista, está produzindo de maneira independente a biografia de Falcão)

Muitos leitores estranharam quando a revista Bizz divulgou em abril de 1992 a lista dos melhores da música do ano anterior. Um artista desconhecido chamado Falcão aparecia entre os principais letristas na tradicional premiação anual na qual votavam músicos, jornalistas e leitores.

Contrariando o público, que deixou o topo para Renato Russo e colocou Humberto Gessinger na segunda posição, os críticos da revista especializada em música deram o segundo lugar para o cantor e compositor cearense, que ficou atrás apenas de Caetano Veloso. Arnaldo Antunes aparecia em terceiro, única concordância entre crítica e leitores.

Tendo como carro-chefe “I’m Not Dog No”, versão em “inglês canônico” do clássico brega de Waldick Soriano, “Bonito, Lindo e Joiado”, primeiro disco de Falcão, havia sido lançado pela  Continental em 1991, mas o cantor ainda engatinhava no eixo Rio-São Paulo quando o trabalho chegou às lojas em maio daquele ano.

Até que uma cópia foi parar na redação da Bizz por intermédio da própria gravadora. O escracho e a crítica social presentes nas letras chamaram a atenção dos jornalistas.

“Tinha referências políticas, tiração de sarro com a elite cearense, gozação com o povo saudável, toques surrealistas. Eu, particularmente, fiquei surpreso com esse escracho tendo um pensamento sofisticado por trás. Sou bem resistente a humor na música, mas pra mim era intelectualmente satisfatório”, conta Alex Antunes, editor da Bizz na época.

A estética brega foi outro componente que ajudou a fisgar os ouvintes. “A gente já conhecia a versão do Waldick, e acho que só. Quando pintou lá, bateu na hora. Adoramos as letras e indicamos pra letrista. A gente era tudo da geração Chacrinha, Bolinha, Raul Gil, Barros de Alencar. Crescemos com o brega”, conta o jornalista André Forastieri, então redator-chefe da revista.

Contando apenas com aparições em veículos e TVs regionais, Falcão despontava nacionalmente a bordo de uma revista respeitada no meio cultural. Dali para o “Aqui Agora” e para o “Jô Soares Onze e Meia”, ambos no SBT, foi um pulinho, pavimentando a trajetória do cantor rumo ao grande público.

O estranhamento foi tanto que a Bizz precisou se explicar. “Muita gente deve ter ficado boiando ao ver um tal de Falcão ganhar segundo melhor letrista de 1991 na votação da crítica”, escreveu o crítico musical Carlos Eduardo Miranda.

“Quando o disco chegou aqui na redação, o tumulto foi geral: todo mundo deitando de rir com esta cover, “I’m Not Dog No”, e faixas como “Só é Corno Quem Quer” e “A Cura  da Homeopatia Pelo Processo Macrobiótico”. “Não deu outra! O total desconhecido virou poeta laureado”, explicou Miranda no texto que trazia uma entrevista com o “letrista-revelação do ano”.

O próprio Falcão declarou ter ficado surpreso com a escolha. “A revista Bizz, por exemplo, eu nem sabia que fazia essa premiação dos melhores na música, nem conhecia ninguém da redação”, revelou em entrevista ao jornal O Povo em julho de 1992.

O disco

“Bonito, Lindo e Joiado” traz a gênese que nortearia os trabalhos seguintes do cantor e compositor. Tem bolero, rock, balada e xote, deixando clara a postura pós-tropicalista. Tudo despudoradamente temperado pela estética brega.

Já o texto tem críticas ao colonialismo cultural (“Sou Mais no Tempo do Figueiredo”) e ao erro médico (“Desamassamento, Solda e Pintura”), cutucadas na elite empresarial cearense (“Um Bodegueiro na Fiec”), ode à alta gastronomia nordestina (“A Cura da Homeopatia Pelo Processo Macrobiótico”) e – claro – esculhambação (“Só é Corno Quem Quer” e “Vão-se os Cabaços, Ficam-se os Desgostos”), mas sem abrir mão de pitadas filosóficas e sem apelar para o besteirol escatológico gratuito, tão em alta atualmente.

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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