Tornar a escola mais acolhedora é um grande desafio. Mas cada uma pode fazer um pouco para que estudante LGBT se sintam parte dela.

 

Para muitos jovens – e aqui incluímos principalmente os jovens LGBT – a escola pode não ser um ambiente muito acolhedor e seguro. Essa afirmação é reforçada pelos altos índices de agressão física e verbal, insultos, negação e falta de apoio tanto por parte de seus colegas quanto por parte das pessoas que fazem a escola: professores, coordenadores, diretores, supervisores, inspetores e por aí vai. Em resumo, há muito o que se fazer para tornar a escola mais acolhedora para esses estudantes.

Na Pesquisa Nacional sobre o Ambiente Educacional no Brasil, realizada em todo o país em 2016, mais de um terço dos alunos apontam como  “ineficaz” a resposta do profissionais da escola para impedir as agressões e 64% desconhecem algo no regulamento da escola que os acolha. Portanto, isso mostra o quanto a escola ainda precisa melhorar para, de fato, proteger e incluir essas crianças nos processos educacionais.

A luta pela LGBTfobia vai muito além dos muros das escolas e, em grande parte, independe da boa vontade dos diretores ou dos secretários de Educação. É preciso que sejam aprovadas leis contra crimes de ódios por motivações de sexo e gênero; que se destinem recursos para pesquisas sobre a comunidade LGBT a fim de que embasem políticas públicas; que se realizem campanhas de conscientização a nível nacional para sensibilizar a sociedade acerca dos efeitos da discriminação, principalmente contra crianças e jovens.

Mas a escola pode fazer sua parte. Afinal, ela também integra uma engrenagem importante na formação do jovem enquanto cidadão crítico e sociável. Especialistas apontam caminhos para tornar a escola mais acolhedora para a juventude LGBT. Confira:

Formação de professores

Muito se critica a formação de professores, já que os cursos de licenciatura não têm a carga horária de aulas práticas suficiente para que o futuro professor entenda o funcionamento da aula e como dialogar com os alunos nas mais distintas situações. Essa falta de arcabouço se reflete também na maneira como eles enfrentam questões sociais. O cientista social e pesquisador do gênero Ricardo Braga aponta a urgência de que os cursos de graduação contemplem questões como direitos humanos, diversidade de sexo e de gênero, relações étnico-raciais, homofobia, entre outros.

Para além da formação na academia, para o também mestre em Antropologia Ricardo, há um grande perigo quando os professores levam para a sala de aula suas visões de mundo, muitas vezes pautadas pela religiosidade, o que pode resultar em exclusão.

“Eles não estão preparados para compreender alguns fenômenos que ocorrem naquele espaço, como o racismo e a homofobia, passando a naturalizar tais comportamentos, isso quando eles próprios não se tornam seus vetores, a partir de piadas e anedotas que, naturalmente, achamos aceitáveis”, pontua.

Reformulação do currículo

O currículo da escola é a “ferramenta pedagógica que cria a própria realidade e tem o poder de naturalizar sujeitos, práticas, sentimentos…”, segundo o professor Ricardo. Aqui a sugestão é que o currículo da escola contemple mais elementos que espelhem os jovens LGBT. Onde? Nos livros didáticos, nos exemplos trazidos pelo professor, nas obras literárias escolhidas, nos cartazes de campanhas etc. Dessa forma, os alunos se sentiriam mais acolhidos e inseridos no ambiente escolar.

“A escola, reproduzindo um ideal cisheteronormativo, expulsa, esconde, não reconhece outros modelos de ser, pensar, agir que destoam daquele ideal que deve ser reproduzido”, completa Ricardo, reforçando que essa sensação de “não se ver em lugar algum” é semelhante a que acomete crianças negras, embora com menor intensidade.

Discussões sobre respeito à diversidade

Em uma instituição educacional, os professores são os principais vetores de conhecimento e emoções para os alunos, por isso eles também devem estar preparados para tratar do tema da sexualidade. A psicopedagoga da PlayKids e mestranda em Psicologia da Educação Nathália Pontes vê como opção reuniões com os professores para reforçar os valores da instituição e a necessidade de promover o respeito e a empatia dentro da escola.

“Respeito está muito ligado a empatia. Respeito não é algo que você reproduz, é se colocar no lugar do outro e sentir o que sente para atuar com respeito, respeito tem que ser sentido”, é o que diz a especialista, que acredita que, quando se trabalha com os estudantes – principalmente os mais pequenos – a importância do respeito ao outro, eles conseguem mais facilmente conviver com o que lhe parece diferente.

Para além desse trabalho acerca do respeito, outro caminho é a construção de uma agenda escolar que exponha a diversidade que os cerca. A escola pode investir em excursões a exposições de arte, ao teatro, a aparelhos culturais etc. Essa é uma estratégia de mostrar aos estudantes outras visões de mundo e de permitir outras abordagens para além do currículo.

É fundamental, ainda, a abordagem sobre diversidade e sexualidade como ferramenta para tornar a escola mais acolhedora. “Eu sou de uma visão de empoderamento infantil. No momento em que o professor está falando de sexualidade, fala das diversas opões, dos diversos tipos de casais, de gêneros. Quando você põe uma ordem nisso, já traz um viés seu de preconceito”, sugere a psicopedagoga Nathália Pontes.

Diálogo com as famílias

As famílias ainda tratam do tema da sexualidade como um tabu, e isso acaba refletindo na formação da criança enquanto pessoa. Para a psicopedagoga, isso precisa ser combatido. “São reuniões bem difíceis, os valores da escola e da família são muito diferentes. Todos nós temos que trabalhar e comprar algumas brigas. Temos que trabalhar em prol de uma sociedade em que as pessoas tenham mais liberdade de escolha”, comenta.

A família, segundo ela, precisa falar sobre sexualidade com a criança, abordando as concepções de gênero e as demais formas de constituição familiar. Dessa forma, a criança já vai construindo um olhar de neutralidade para o outro. “O problema da sociedade é que a gente imprime os nossos próprios vieses na criança, sendo que o preconceito é construído socialmente”, finaliza.

Acolhimento das vítimas

Muitas vezes, as agressões perpetradas no ambiente escolar são reproduções do que se vê fora da escola, no seu convívio social. Por isso, é preciso acolher e conversar com o aluno agredido para que ele se sinta ajudado e acompanhar de perto para que não tenha seu desempenho afetado nem se desestabilize emocionalmente.

É preciso, ainda, criar canais de comunicação por meio dos quais os estudantes LGBT possam relatar casos de discriminação sofridos, deixando-os mais seguros e acolhidos. O diálogo e o acompanhamento são as medidas mais eficazes.

Essas sugestões, desde as mais simples às mais complexas, visam, para além de tornar a escola mais acolhedora para crianças e adolescentes LGBT, tornar um ambiente mais harmoniosos e respeito. Como Nathália pontua, “o intuito da Educação é acreditar na mudança e que as pessoas podem ser melhores”. Dessa forma, ganha a escola, que se reconstrói e se adaptada às formas diferentes de ser, e ganha o aluno, que consegue pavimentar um caminho para o seu desenvolvimento em quaisquer âmbitos.

About the Author

Eduardo Siqueira

Um jornalista que ama Educação. Minhas experiências me fizeram imergir no universo da Educação, sentindo todo o seu poder transformador e percebendo o quanto ela ainda precisa de apoio. Aqui, busco fazer minha parte e ajudar as pessoas a compreendê-la nem que seja um cadinho.

View All Articles