sua-xicara-esta-cheiaO que fazer quando nos deparamos com uma pessoa que já sabe de tudo e você mais parece um zé ninguém com nada a contribuir? Desaparecer? Se fingir de estátua? Sorriso amarelo? O que pensar quando estamos diante daquelas criaturas míticas que cruzam nosso caminho com a soberba de Zeus, longe, no entanto, das barbas e poderes do ser épico?

Lembra daquela parábola do mestre, do chá e do discípulo? Pois bem, entre as várias versões contadas, no resumo o discípulo faz uma pergunta e o mestre responde em silêncio, despejando chá em uma xícara até transbordar. O discípulo, sem entender, alerta o mestre que a xícara está cheia, mas este continua a despejar o líquido, que transborda, escorre pela bandeja e molha tudo ao redor. Em linhas gerais, a mensagem é a de que em xícara cheia não cabe mais nada, não há espaço para o novo.

O discípulo, ou mesmo nós, podemos muitas vezes já nos sentir completos, mas ensimesmados em nossas certezas e pré-conceitos. Condicionados a um absolutismo hermético, a novidade não alcança nossas atitudes cegas e surdas ante a quaisquer ideias que não sejam as do nosso umbigo. Uma pena para nós que vamos “repetir de ano”.

Não se apegue à hierarquia entre mestre e discípulo. Não se trata disso aqui. Nem tampouco compare a situação aos discursos das sumidades, aquelas pessoas reconhecidas como referência em determinados assuntos e que de fato nos inspiram com seu conhecimento. Me refiro ao ser humano de carne e osso, aquele que lida com o outro diariamente e que, mesmo sob níveis diferentes, está sempre a aprender algo nesta vida de meu deus. Afinal, quem não pode evoluir com o próprio trabalho, colher melhores resultados, domar a si mesmo?

Dias desses, topei com um genérico de Zeus, nessas atividades que realizamos em grupo, porque a vida é assim, interligada. E o indivíduo tinha (e ainda tem pelo que percebo) uma postura que não se dobrava a ninguém. Imagine aquele sorriso de canto de boca, com ar de superioridade… Imune a críticas, não aceitava nada menos do que se autoelogiar e acreditar piamente que era o melhor.

Mesmo com mundo desabando, ele zombava no íntimo dos que ousavam qualificar seu trabalho. Com essa estrutura irretocável, creio que seja mesmo muito difícil ouvir alguém além do próprio ego. Pois é, o resultado do trabalho não foi o esperado e as divergências viraram pó. Mas o genérico continuou lá, achando que a Terra orbita ao seu redor.

É, mas a cópia não é o original. Para minha sobrevivência e sanidade, preciso encontrar um atalho para esses tipos de encontros. Zeus pode se enfurecer com sua réplica de quinta categoria e soltar seus raios sobre nós, que só buscamos atravessar o dia e acobertar nossa mortalidade.

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About the Author

Rubens Rodrigues

Jornalista. Na equipe do O POVO desde 2015. Em 2018, criou o podcast Fora da Ordem e integrou as equipes que venceram o Prêmio Gandhi de Comunicação e o Prêmio CDL de Comunicação. Em 2019, assinou a organização da antologia "Relicário". Estudou Comunicação em Música na OnStage Lab (SP) e é pós-graduando em Jornalismo Digital pela Estácio de Sá.

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