Não há futebol sem rivalidade entre os torcedores. O sentimento de querer ver o principal adversário no patamar mais baixo possível é visceral, necessário e fundamental para a existência do esporte. Neste momento, os adeptos do Ceará comemoram a eliminação do Fortaleza da Série C para o Brasil-RS, enquanto os tricolores torcem para que o alvinegro seja rebaixado para a terceira divisão, já que o time precisa de uma importante sequência de vitórias para se salvar nos oito jogos restantes.

Neste domingo, aniversário do Fortaleza, a conta oficial do Ceará no Twitter parabenizou o rival pedindo paz fora de campo. Momentos depois, em tom igualmente amistoso e pacifico, a conta do tricolor respondeu.  Se já não bastasse, se intrometendo na conversa, surgiu a conta oficial da CBF, essa entidade absolutamente preocupada com os rumos do futebol nacional, como todos nós sabemos, parabenizando a iniciativa.

O tom amistoso entre os clubes nas redes sociais é, entretanto, inócuo, pode enganar alguns desprovidos de senso crítico (ou muitos), está longe de qualquer concretude e flerta com a hipocrisia. A realidade mostra duas diretorias afastadas do cerne da questão, que é efetivamente um projeto profissional e conjunto para o futebol cearense. Se a rivalidade que citei no primeiro parágrafo é essencial para os torcedores, para os dirigentes deveria ficar em terceiro plano e não em primeiro, com a comemoração efusiva da desgraça alheia.

Fortaleza é uma cidade violentíssima e lidera o índice de homicídios no Brasil, com assustadoras 77,3 mortes a cada 100 mil habitantes. É um dos lugares mais perigosos do planeta, assim como toda a região Nordeste do país. O reflexo disso é um futebol naturalmente violento, desconfortável, difícil, segregador. Ainda assim, os dois principais clubes do estado e a Federação Cearense não têm qualquer plano de ação educativo e perene. Não há um projeto elaborado em conjunto, liderado por profissionais de diversos setores da sociedade – e há muita gente competente por aqui que aceitaria participar e até de graça – para tornar o futebol mais humanizado e agradável. Seguimos com todos os tipos de problema, desde transporte para os jogos, comercialização de ingressos, entrada nos estádios, furtos, roubos e uso de drogas nas cercanias e dentro das praças esportivas, dificuldade na saída dos estacionamentos, banheiros sujos e todo o desconforto possível.

Em campo, o momento é agonizante, ainda que o futebol cearense seja o atual dono do título da Copa do Nordeste. Caso o Ceará seja rebaixado, teremos os dois principais clubes na Série C em 2016. O Icasa, envolvido em grandes confusões administrativas, disputará a Série D. O Ferroviário experimenta uma crise sem precedentes e que ninguém sabe como vai sair dela e os clubes do interior também não ficam atrás.

Não existe chance de um futebol estadual forte sem o crescimento de todos os clubes. Neste ponto surge novamente a conclusão de que nada de relevante é feito por quem deveria. Evidente que cada instituição tem as suas demandas, seus objetivos e diferenças e assim deve ser, mas ocorre que trabalhar pelo crescimento orgânico, contínuo e gradual é uma questão de sobrevivência com qualidade para Federação, Ceará, Fortaleza e os demais clubes , especialmente se levarmos em conta que, financeiramente, o futebol cearense está muito atrás de outros centros do país e até da própria região, basta olhar para Sport, Bahia e Vitória. Ainda assim, Ceará e Fortaleza conseguiram neste ano cumprir seus compromissos salariais com seus elencos. Há investimento em estrutura física e em profissionais preparados que integram em áreas fundamentais, como fisiologia, médica, gerencial e técnica. Mas falta muito, ainda.

Não há solução imediata e a curto prazo, mas caso o Fortaleza e o Ceará queiram realmente ser inspiradores da paz, de um futebol cearense forte, com uma torcida participativa, se sentindo respeitada e parte essencial do todo, terão que ultrapassar as barreiras das pueris e simplórias gentilezas no Twitter. Será preciso deixar a omissão de lado, levantar a bandeira da coragem e liderar uma reação, independente da Federação querer ou não participar. Já está mais do que na hora da formação de clubes profissionais de verdade em todos os aspectos, incluindo marketing, comunicação, relacionamento e processos. É hora de esquecer a hipocrisia e a soberba sem sentido para investir em um trabalho conjunto com ações propositivas e inteligentes. É uma questão de responsabilidade.

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Fernando Graziani

Fernando Graziani é jornalista. Cobriu três Copas do Mundo, Copa das Confederações, duas Olimpíadas e mais centenas de campeonatos. No Blog, privilegia análise do futebol cearense e nordestino.

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