Reprodução da coluna “Menu Político”, caderno “People”, edição de 17/4/2016 do O POVO.

MenuVocê paga muito imposto; os multimilionários, não
Plínio Bortolotti

Já escrevi vários textos – se alguém se der o trabalho de pesquisar no blog, vai encontrá-los – sobre o senso comum afirmando que no Brasil se paga muito imposto. Sempre corrijo: os pobres e a classe média são apenados, porém, os ricos pagam pouco, comparativamente à renda que recebem e no cotejamento com os setores menos abastados.

O discurso de que se paga muito imposto, repetido de forma irreflexiva, mantém a salvo os multimilionários, pouco tributados, e quer nos fazer crer que a injustiça é generalizada e não seletiva, como acontece na realidade.

A Receita Federal divulgou este ano dados mostrando que as pessoas mais ricas do País pagam de imposto somente sobre 6,51% de sua renda, pois quase 2/3 do que recebem são considerados “rendimentos não tributáveis”. O grosso do recolhimento do IR se concentra na classe média, incluindo a baixa classe média, que não tem como fugir da mordida, pois a facada vem no contracheque.

Quanto aos pobres, eles são massacrados pelo imposto incidente sobre o consumo, quando o correto seria taxar a renda, a propriedade, as heranças. Por óbvio, quando os super-ricos falam em pagar menos imposto, eles estão preocupados com seus cofres, e não com o bolso dos pobres.

Que tal, por exemplo, reduzir o imposto sobre o consumo, desonerar a classe média e, para compensar, aumentar a taxação sobre a renda e sobre a distribuição de lucros? De quebra, passar a cobrar IPVA sobre iates, jatinhos e helicópteros, que são isentos (imposto que você paga se tiver um carro lascado)? Duvido que aceitem. Haverá mil desculpas à guisa de explicação.

Depois, veio a operação Zelotes (por onde anda mesmo?) mostrando uma rede de corrupção que sonegadores milionários montaram para pagar ainda menos impostos. E, agora, o Panamá Papers escancara de vez a injustiça e mostra a cara daqueles que, enquanto mandam você cumprir a lei, escondem o seu dinheiro em “paraísos fiscais” para fugir de obrigações inescapáveis para o populacho.

Segundo o economista Gabriel Zucman, citado pelo jornal britânico Financial Times, haveria cerca de US$ 7,6 trilhões guardados em paraísos fiscais, equivalente a 8% da riqueza mundial. Ou a 4,6 “brasis” escondidos do fisco. (Informado por Clóvis Rossi, em sua coluna na Folha de S. Paulo, 7/4/2016.)

Por enquanto, o Brasil foi agraciado no Panamá Papers com a citação de políticos de sete partidos: PDT, PMDB, PP, PSB, PSD, PSDB e PTB. Entre os nomes, o do inafastável presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB). São 57 brasileiros (de empresários a jogadores de futebol) já investigados na Lava Jato, que aparecem nos documentos. Entre eles, Gabriel Skaf, filho de Paulo Skaf, presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Skaf, o pai – um dos cruzados contra os impostos ­– quer também ser candidato do PMDB ao governo de São Paulo, em sua terceira tentativa de chegar à chefia do Executivo paulista.

Claro que nem todos os trilhões em paraísos fiscais são oriundo de ricaços do Brasil, mas uma boa parte sim. Internalizado, esse dinheiro poderia ajudar o desenvolvimento do País e, taxado, contribuiria para reduzir as desigualdades brasileiras. Observe, se toda essa dinheirama fosse tributada, o imposto poderia ser reduzido para todo mundo, talvez beneficiando até os ricos honestos.

Lembre-se: são muitos os sujeitos dessa qualidade que – ao tempo em que gritam pelo impeachment, supostamente para varrer a corrupção do Brasil – se afogam no lodo do próprio quintal.

NOTAS

Panamá Papers
A apuração que ganhou o nome de “Panamá Papers” analisou 11,5 milhões de arquivos vazados do escritório da Mossack Fonseca, especializado em abrir offshores.

Investigação
O trabalho reuniu 376 jornalistas de 109 veículos de comunicação em 76 países, inclusive do Brasil. Os profissionais foram coordenados pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ, pela sigla em inglês).

No paraíso
Offshore é uma empresa situada em
“paraísos fiscais” (países com fiscalização frouxa e taxação baixa), que pode
ter fins legais ou ilegais. Neste caso, pode ser usada para esconder recursos
de uso criminoso (tráfico de drogas e armas, por exemplo), dinheiro resultante
de corrupção ou para fugir do fisco.

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