Reprodução do artigo publicado na edição de 28/4/2016 do O POVO.
Lemann, Usain Bolt e a meritocracia
Plínio Bortolotti
Tenho certa implicância quando algumas palavras se tornam explicação guarda-chuva para qualquer assunto. Uma delas é “meritocracia”, muito usada, por exemplo, por quem combate as cotas, sejam elas quais forem.
Para essas pessoas somente o “mérito” (resultado de uma prova sem nenhuma outra consideração) deveria definir se o sujeito tem direito de se tornar um funcionário público ou de entrar em uma universidade.
Por vezes, respondo o seguinte: use o mesmo ponto de vista e tente correr contra Usain Bolt. Para se chegar a uma marca olímpica, o sujeito tem de treinar a vida inteira. Assim, seria injusto pôr em uma raia alguém que não houvesse tido a mesma oportunidade.
Do mesmo modo, seria injusto que negros, índios e pobres concorressem sem ter alguma vantagem com os filhos dos ricos e da classe média, que tiveram oportunidades com as quais o grupo desfavorecido nem ao menos pôde sonhar.
Mas enquanto uma certa classe média – sempre mais realista que o rei – continua insistindo nessa tecla, já há bilionários percebendo que o problema é mais embaixo.
Jorge Paulo Lemann, o homem mais rico do País, declarou que reduzir as desigualdades deveria ser “o maior sonho para o Brasil”.
“Eu moro na Suíça e é ótimo viver numa sociedade em que há muito mais igualdade (…) São pessoas ricas, há poucas pessoas pobres, mas, apesar de não serem iguais, todos têm as mesmas chances. Todos estudam nas mesmas escolas, todos vão aos mesmos médicos. É uma sociedade muito mais feliz.”
Bingo! matou a charada. Se há oportunidades iguais para todos, palmas para a “meritocracia”. Caso contrário, torna-se uma farsa.
Quanto a Lemann, ele pode ter boa intenção ou, talvez, pense um dia voltar a morar no Brasil.
(E, claro, não se fala em igualdade absoluta. Há Usain Bolt e os atletas que ficam atrás dele, mas todos tiveram as mesmas oportunidades, e nenhum cai pelas tabelas.)
PS. Declarações de Lemann em matéria da Folha de S. Paulo (23/4/2016).
Caro Plínio, permita-me transcrever parte de um texto do sr.Joel P. da Fonseca.
“Meritocracia é uma palavra bonita. Não. É uma palavra que remete a uma coisa bonita: que cada um receba de acordo com seu mérito, que em geral é igual a esforço, dedicação; às vezes se inclui a inteligência.”
…
“Meritocracia é um conceito que se aplica ao interior de organizações. Promover membros com base no mérito (em geral medido por algum indicador) pode ser melhor do que fazê-lo por tempo de serviço, pela opinião subjetiva de um superior etc. Meritocracia é um modelo de gestão. Até mesmo o governo, por exemplo, poderia se beneficiar dela, reduzindo suas ineficiências. Não é um modelo sem falhas: a necessidade de mostrar resultados cria uma pressão interna muito grande e pode minar a cooperação, a manipulação dos indicadores pode viciar o sistema de avaliação.
Encontrar o sistema mais adequado a cada contexto é uma questão de administração, de funcionamento interno de organizações, que nada tem a ver com o mercado. Mercado é o processo (sim, memorizem isso: o mercado é um processo) no qual algumas organizações existem e operam. Às vezes organizações nada meritocráticas prosperam no mercado, e organizações meritocráticas podem existir fora dele.
Satisfaça as necessidades dos outros, e as suas serão satisfeitas. Não importa se é por mérito, por sorte ou por talento. O cara mais esforçado e bem-intencionado do mundo, se não criar valor, ficará de mãos vazias.
Achou injusto? Então aqui vai um segredo: é você quem perpetua esse sistema. Se sua geladeira quebra, você vai querer um técnico esforçado e que dê tudo de si, ou vai querer um que faça um ótimo serviço, com pouco esforço e a um baixo custo? Quer um restaurante ruim mas com funcionários esforçados ou quer comer bem? O mundo reflete o seu código de valores e, veja só, ele não é meritocrático.
A vida não é e nem deve ser uma corrida que parte de condições iguais e na qual, no fim do jogo, vencem os melhores. Na medida em que esse sonho meritocrático é sequer possível (estamos muito longe de corrigir desigualdades genéticas, por exemplo), ele exigiria um investimento enorme só para produzi-lo; sacrificaríamos valor para criar condições artificiais que se adequem a esse ideal abstrato. Todos ficariam mais pobres para realizar esse sonho moral.
Mas quem disse que a igualdade é moralmente superior à desigualdade? Se um meteorito cai na minha casa e não na sua, isso é injusto? É imoral?
O sistema de mercado não premia a virtude; ele premia, e portanto incentiva, o valor. É feio dizê-lo? Pode ser, mas ele tem um lado bom: é o sistema que permite que a vida de todos melhore ao mesmo tempo. Que todo mundo que quer subir tenha que ajudar os outros a subir também. Ele não iguala o patamar de todo mundo, mas garante que a direção de mudança seja para cima.
O ideal da meritocracia tem o seu apelo, mas ele depende de meias-verdades: a ideia do mérito que é só meu e de mais ninguém, a de que meu suor justifica o que eu ganhei. Sem suor ou inteligência, o ganho é sujo, indevido. Mas o outro lado dessa moeda é feio: implica dizer que quem não chegou lá não teve mérito; que a pobreza é culpa do pobre.
A lógica do mercado é outra: você criou valor, será recompensado. Sua riqueza não diz nada sobre o seu mérito; ela não justifica e nem precisa ser justificada. O resultado desse foco no valor é que mais valor é criado. Você recebe aquilo que entrega e todos ganham.”
Fonte:http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=2054
Olá, Diego,
Posso então considerar que você aceita o desafio de correr com Usain Bolt? : )
Abraço,
Plínio
Sim. Seria uma honra .
Sabendo eu que Bolt preparou-se a vida toda para ser o “flash man”, enquanto eu – careca e barrigudo – preparei-me para ser cliente do hospital do coração.
Além de virtude, Bolt, tem méritos.
Grato.
É isso aí, Diego,
Você pegou o espírito da coisa. : )
Abraço,
Plínio
“Vivo para competir.
Meu maior objetivo é bater recordes”
Usain Bolt, velocista jamaicano