Reprodução da coluna “Menu Político”, caderno “People”, edição de 29/5/2016 do O POVO.////////

CarlusO Homo sapiens e sua aventura sobre a Terra////////

“Existe algo mais perigoso do que deuses insatisfeitos e irresponsáveis que não sabem o que querem?”

Com essa frase Yuval Noah Harari conclui o seu livro “Sapiens – Uma breve história da humanidade” (L&PM). Harari é doutor em História e professor da Universidade Hebraica de Jerusalém (Israel).

Os “deuses insatisfeitos” a que ele se refere somos nós mesmos – eu, você, ele – o Homo sapiens. A história que ele nos conta é de um primata insignificante, que não se diferenciava muito dos outros animais quando surgiu há dois milhões de anos, mas tornou-se o “senhor de todo o planeta, a espécie mais letal que já caminhou sobre a terra, e hoje está prestes a se tornar um deus”.

É a nessa jornada fascinante e assustadora que Harari nos leva pelas 459 páginas de seu livro.

O que começou a fazer a diferença em favor(?) dos humanos foi seu enorme cérebro. Mas por que a Mãe Natureza produziu algo “extremamente custoso” para o corpo, o autor diz que “ninguém sabe”.

Porém, o fato de os humanos nascerem prematuramente, pois a grande cabeça só passaria no canal do parto se fosse flexível, obrigou-os a se agruparem em comunidades, construir redes e desenvolver habilidades sociais complexas, e isso deu-lhes grande vantagem sobre os outros seres vivos, propiciando a primeira revolução da humanidade, a Revolução Cognitiva: a linguagem, a capacidade de cimentar tribos, organizar cidades e unificar impérios, por meio da “ficção”, algo que não existe na natureza, apenas na mente humana.

A ficção narrativa: a religião, as ideologias, o dinheiro (Harari não faz diferença entre uma coisa e outra) que milhares, milhões de pessoas se unam colaborativamente em torno de uma ideia: de nação, de ideologia, de “povo escolhido”, por exemplo. (No sentido usado, “colaboração” não tem, necessariamente, sentido altruísta. Uma sociedade escravista, diz o autor, é colaborativa, sendo os escravos obrigados a fazerem a sua parte na rede de colaboração.)

Avancemos, pois o espaço é curto, passando pela Revolução Agrícola, há 10 mil anos, para Harari a “maior fraude histórica”, pois vida anterior teria sido melhor; a Revolução Científica, com a “descoberta a ignorância” e pela Revolução Industrial, com seu “credo capitalista”, páginas em que a história humana é passada a limpo.

Até chegarmos ao “fim do Homo sapiens”, quando Harari expõe os dilemas políticos, econômicos, sociais e éticos que estamos enfrentando

O autor diz que parece não mais haver uma barreira técnica impendido a criação de “super-humanos”, seja pela engenharia biológica, seja pela engenharia cyborg (combinação de partes orgânicas com inorgânicas), ou a engenharia genética para produzir seres programados a ter determinadas ideias ou realizar tarefas específicas.

Ele descreve outras possibilidades que se descortinam: “baixar” o seu cérebro em um computador; desenvolver formas mais sofisticadas de vida completamente inorgânica (como os vírus de computador). Feito isso, qual seria o status dessas criaturas?

E se pudéssemos criar uma interface cérebro-computador, com redes intercerebrais, o que aconteceria com a identidade humana? O que acontece com a individualidade ou com a identidade de gênero em mentes coletivas? Para o professor, essas possibilidades mudariam as estruturas sociais e deixaríamos de ser Homo sapiens e, assim, desapareceriam as religiões, ideologias, nações e classes.

Para Harari, será impossível deter essas mudanças, que desaguarão em uma segunda Revolução Cognitiva. A única coisa que podemos fazer seria “influenciar a direção que as coisas estão tomando”.

Frente a esses dilemas, Harari afirma que a pergunta correta não é “o que queremos nos tornar?” e, sim, “o que queremos querer?”?

NOTAS

Humanos
O Homo sapiens conviveu com pelo menos outras seis espécies de humanos. Não se sabe o motivo da extinção desses parentes, umas das possibilidades é que tenham sido exterminados pelos nossos ascendentes diretos.

Brasil
No livro, Harari cita várias vezes o Brasil, inclusive o artista plástico Eduardo Kac, que pediu aos cientistas que criassem uma coelha verde fluorescente para uma de suas exposições. Eles o fizeram implantando no DNA do animal o gene de uma água viva.

Livro
Fiquei curioso para ler o livro ao vê-lo citado em um artigo do professor Mauro de Oliveira, neste jornal.

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