Reprodução da coluna “Menu Político”, caderno “People”, edição de 23 de outubro de 2016 do O POVO.

CarlusBrasil, paraíso dos super-ricos, faz os pobres pagarem a conta

Os defensores da PEC 241, que pretende limitar os gastos públicos, apelam para a comparação com uma família para dizer que o Brasil não pode gastar mais do que arrecada. Portanto, o arrocho estaria justificado. O argumento – utilizado até pelo sofisticado ministro da Fazenda, Henrique Meirelles – é mistificador, pois é preciso muita boa vontade para aceitar-se a equiparação de uma família a um país.

Mas façamos o comparativo. Suponhamos uma família com renda mensal de R$ 5.000, obrigada, por algum percalço, a entrar no cheque especial, devendo ao banco R$ 10.000. A família se reúne, aperta daqui, aperta dali, consegue a proeza de economizar 20% ao mês, ou seja, R$ 1.000. Acontece que o juro do cheque especial gira em torno de 15%, portanto, no primeiro mês a conta já estaria em R$ 11.500 – e a família só conseguiria baixá-la para R$ 10.500. Assim, a família nunca conseguirá pagar a conta, que só vai aumentar.

No mesmo caso está o país. A economia que se vai fazer no orçamento será um remendo que pode piorar a situação. Além do brutal desembolso que o governo faz para o pagamento dos juros da dívida (R$ 500 bilhões), economistas importantes afirmam que a PEC vai reduzir o crescimento econômico, agravando a recessão.

Além disso, pouca gente diz o óbvio. Quando existe uma crise, a primeira pergunta a se fazer é: “Quem vai pagar a conta?” Ainda na comparação com uma família, certamente os mais frágeis seriam protegidos: ninguém proporia, por exemplo, cortar o leite do bebê em vez da cervejinha do pai. Mas a PEC 241 vai justamente por esse caminho, ao reduzir verbas para a educação e para a saúde, sobrando ainda cortes em outros programas sociais. Ou seja, os menos favorecidos vão pagar a conta.

Agora, pense, se Michel Temer tem uma ampla e aguerrida base de apoio, ele não poderia começar chamando o pessoal do scotch e do conhaque Hennessy para dar a sua contribuição? Essa pequena e privilegiadíssima turma, constituída por 71.440 pessoas (0,05% da população adulta e 0,3% dos contribuintes do IR), recebe mais de 160 salários mínimos por mês, ou seja, valor acima de R$ 126 mil.

A mais, esse pessoal paga menos imposto de renda do que a classe média (inclusive aquela que bateu panela). Como os super-ricos são dispensados de pagar IR pelos lucros e dividendos distribuídos pelas empresas, têm o rendimento total taxado em 7%, enquanto o estrato intermediário dos declarantes paga em média 12%. Além disso, os multimilionários beneficiam-se da baixa tributação sobre ganhos financeiros – entre 15% e 20% -, enquanto o salário dos trabalhadores está sujeito à alíquota progressiva até 27,5% (inclusive dos paneleiros).

Quando se fala em tributar lucros e dividendos, empresários costumam argumentar que o imposto já foi pago pela pessoa jurídica. Ocorre que o dinheiro entra no bolso da pessoa física, que teria de comparecer com o seu. Tanto é verdade que entre os 34 países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE, que reúne economias desenvolvidas e em desenvolvimento), somente a Estônia e o Brasil não taxam lucros e dividendos.

É por isso que um estudo da Organização das Nações Unidas (ONU) assinala que o Brasil “é um país de extrema desigualdade e também um paraíso tributário para os super-ricos”.

NOTAS

Estudo da ONU
Em média, a tributação total do lucro (somando pessoa jurídica e pessoa física) chega a 48% nos países da OCDE. No Brasil, com as isenções de dividendos e outros benefícios tributários, fica abaixo de 30%.

Brasil
O Brasil tem elevada carga tributária para os padrões das economias em desenvolvimento, por volta de 34% do Produto Interno Bruto (PIB), equivalente à média dos países da OCDE.

Diferente
Porém, nos países da OCDE há mais peso na tributação da renda e patrimônio. No Brasil, cerca de metade da carga de tributos recai sobre bens e serviços, o que, proporcionalmente, faz os mais pobres pagarem mais impostos.

Crédito
Brasil é paraíso tributário para super-ricos, diz estudo de centro da ONU. 

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