Em recente artigo, publicado antes do primeiro turno das eleições presidenciais, o jornalista Mário Sérgio Conti comenta a truculência bolsonariana (do próprio e seguidores). Ele lembra das “domingueiras” (manifestações) na avenida Paulista, em 2016,  contra Dilma Rousseff, com “grupos enormes a pregar a volta da ditadura”. Atos que contavam com a “simpatia da massa” e com o “acoelhamento interesseiro” dos liberais. (Aqui Conti alivia um pouco para os liberais, que já deixaram a covardia de lado e passaram a ter a “coragem” de aderir de mala e cuia ao “capitão da reserva”, sem nenhum tipo de desculpa ou vergonha.)

Continua Conti: “Por que o encantamento com a boçalidade? Por que milhões ficam surdos à razão e se insurgem contra os próprios interesses?” Ele propõe, então, que se conheça “um clássico” sobre o tema: a obra Psicologia das massas e análise do eu, de Sigmund Freud. “Escrito no entreguerras, o livro teve como móvel a crise da civilização europeia, com a transformação do iluminismo em selvageria”.

Afirma, então, Conti que, “seguindo Le Bon, Freud diz que, ao se dissolver na massa, o indivíduo solta seus impulsos inconscientes, comete atos contrários a seu caráter e costumes”. Assim, “o triunfo da irracionalidade se dá por meio de sugestão e contágio. A sugestão faz com que insinuações agressivas sejam aceitas como verdades. É o caso das fake news. Elas se disseminam porque reforçam aquilo em que massa já acreditava. A realidade não importa”. (Portanto, não foi por acaso que uma indústria de fake news vicejou nas hostes bolsonarianas.)

Gustave Le Bon foi um psicólogo social francês, que viveu entre 1841 e 1931. Em seu livro Psicologia das multidões (1895), ele escreve que  o “mais impressionante” em uma multidão é que, independentemente das semelhanças ou diferenças entre os indivíduos que a compõem, o simples agrupamento lhes dá uma “alma coletiva”, fazendo-os agir de modo diferente do que fariam isoladamente.

“A multidão psicológica – continua – é um ser provisório, composto de elementos heterogêneos que, por momentos, se uniram, tal como as células que se unem num corpo novo formam um ser que manifesta caracteres bem diferentes daqueles que cada uma das células possui”. Somente pelo fato de pertencer ao grupo, diz o psicólogo, “o homem desce vários graus na escala da civilização. Isolado seria talvez um indivíduo culto; em multidão é um ser instintivo, por consequência, um bárbaro”. Para ele, a “multidão é sempre dominada pelo inconsciente” e submetida ao poder hipnótico de um líder.

Porém, quem contesta Le Bon com sua verve característica é o jornalista americano H.L. Mencken (1880-1956), no texto “A turba” (1918), do Livro dos insultos. Depois de recordar a tese do francês, que o indivíduo em multidão tende a exibir as mesmas reações mentais e emocionais de pessoas que lhes são inferiores, Mencken contradita: “O ignorante se descontrola na multidão, não porque tenha sido inoculado por ela com o vírus da violência, mas porque a sua própria violência tem ali a única chance de exprimir-se em segurança. Em outras palavras, o ignorante é perverso, porém covarde. Ele evita qualquer tentativa de linchamento a capella [sozinho], não porque precise de estímulo para linchar alguém, mas porque precisa da proteção de uma multidão para fazê-lo sentir-se corajoso o suficiente para tentar. (…) O poder suíno da multidão já existe permanentemente na maioria de seus membros – digamos uns noventa por cento”. E arremata: “Decência, autocontrole, senso de justiça, coragem – essas virtudes pertencem a uma minoria de homens”.

Como se vê, concordando com Mencken ou com Lebon, nenhuma análise é meritória para aqueles que se deixam contaminar pelo espírito de manada, com seus linchamentos físicos ou simbólicos.

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Porre, porrete e psicologia das massas, Mário Sérgio Conti.
O espírito da manada, Plínio Bortolotti (texto publicado em 23/2/2014, do qual utilizei trechos neste artigo.)