Gilmar Mendes não está isento de explicar-se. Registre-se ainda que o STF é merecedor de muitas críticas, mas o ataque contra o ministro visa emparedar o Supremo, instituição que ainda pode frear os arroubos autocráticos do governo Bolsonaro.

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Na atuação do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), observam-se situações que mereceriam mais esclarecimentos, sem nem mesmo entrar no seu hábito de opinar sobre questões políticas, como se mais fosse mais paralamentar do que magistrado.

Parece claro, por exemplo, haver conflitos de interesse quando o ministro julga pessoas que lhe são próximas ou se mantém sócio de uma instituição de ensino, o Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), que recebe patrocínios públicos e privados. O IDP já foi investigado pela Receita Federal em 2018, assim como o ministro e a sua mulher, a advogada Guiomar Mendes.

OUTRA VISTA
É sabido, porém, que os Bolsonaros têm péssimo conceito do STF, por vê-lo como um obstáculo aos seus planos de estender seu domínio a todas as instituições da República. Tornou-se conhecida a opinião do deputado Eduardo Bolsonaro (SP), quando ele disse, durante a campanha eleitoral, que, para fechar o Supremo bastaria mandar “um soldado e um cabo”.

Também, durante a campanha presidencial, Bolsonaro difundiu a ideia de aumentar de 11 para 21 o número de ministros do Supremo, de modo que pudesse ter o controle da Casa. Em passagem por Fortaleza, em julho do ano passado, o atual presidente manifestou-se da seguinte maneira: “As decisões do Supremo, lamentavelmente, têm envergonhado a todos nós nos últimos anos, temos discutido passar para 21 ministros, para botar pelo menos dez isentos lá dentro”.

Essa proposta, aparentemente, está adormecida, mas outra está engatilhada. Deputados bolsonaristas querem revogar a emenda constitucional que aumentou de 70 para 75 anos a idade compulsória de aposentadoria de ministros das cortes superiores. Dessa forma, em vez de nomear dois ministros para o STF, até o fim de seu mandato (2022), Bolsonaro poderia nomear quatro.

STF “COLABORACIONISTA”
O professor de Direito Constitucional da USP, Conrado Hübner Mendes (Folha de S. Paulo, 9/2/2019), aponta o que ele chama de “blitzkrieg desconstituinte” do governo, em direção ao autoritarismo, que contaria com o “colaboracionismo” do Supremo, escreve:

“Se democracia significa mais que eleições periódicas, há algo de errado nessas investidas: medida provisória que estabelece o monitoramento discricionário de entidades da sociedade civil; decreto que amplia poderes de classificação do sigilo de documentos públicos, reduz transparência e boicota o combate à corrupção; flexibilização de leis ambientais e, sobretudo, a atribuição da competência de demarcação de terras indígenas a grupos que têm interesse na supressão das mesmas; insistência na repressão da liberdade pedagógica sob o pretexto da doutrinação ideológica, além do projeto paralelo do ensino domiciliar, proibido pela Constituição, pela lei e pelo STF; por fim, no campo da segurança, decreto que facilita a posse de armas de fogo e pacote legislativo multitemático desprovidos de solidez empírica e da demonstração causal dos efeitos pretendidos.”

Pode-se acrescentar a esse coquetel autoritário as novas diretrizes do Ministério da Saúde para a saúde mental e drogas. O texto prevê o fim da política que substitui o atendimento em hospitais psiquiátricos por serviços como dos Centros de Atendimentos Psicossociais (Caps). O SUS fica autorizado a comprar aparelhos de eletrochoque e também permitu-se a internação de crianças e adolescentes em hospitais psiquiátricos, mesmo em instituições frequentados por adultos. A abstinência passa a ser vista como a solução principal para o problema do abuso de drogas. E mais, ainda, as recentes notícias mostrando que o Palácio do Planalto vê a Igreja Católica como
“potencial opositora” do governo.

O que se observa, portanto, é que – sem aparentemente contrariar a Constituição -, o governo Bolsonaro  ataca uma série de direitos e garantias individuais garantidas na Constituição.

MINISTÉRIO COMPROMETIDO
Conrado Hubner também lembra que “o ministério de Bolsonaro tem 9 de seus 22 ministros envolvidos em graves investigações na Justiça. O STF entendeu, em 2016, que nomeações assim são nulas. A regra não existia antes, mas valeu para anular a nomeação de Lula e de Cristiane Brasil para ministérios. Não valeu, curiosamente, para Moreira Franco. Não vai valer, menos curiosamente, para o ministério de Bolsonaro”. Para o professor o Supremo é um dos “artífices” das crises que se abatem sobre o Brasil No texto, ele faz Uma proposta com dez medidas elementares de ética para o STF. Vale a leitura.

COLABORACIONISMO É POUCO
Assim, pelo que se observa, o governo não quer apenas um Supremo “colaboracionista”, cujos “patronos” são os ministros Dias Toffoli e Luiz Fux (presidente e vice-presidente da Corte), segundo Hübner. O que Bolsonaro pretende é um Supremo de joelhos, sujeito ao seu comando para que ele possa avançar tranquilamente com a sua malfadada política obscurantista, de supressão aos mais elementares direitos trabalhistas, previdenciários e individuais.

Mesmo tendo o STF tolerado o festival de vazamentos nas investigações da operação Lava Jato, o uso desse instrumento contra Gilmar Mendes tem de ser analisado como um ataque, não apenas ao próprio ministro, mas ao Supremo Tribunal Federal que, apesar de tudo, é a instituição que pode ajudar a frear arroubos autocráticos.

O que talvez Bolsonaro persiga, com a com interpretação criativa de dispositivos legais, seja uma espécie de “executivo unitário”, com poderes absolutos de Autoridade Executiva. Recomendo o filme Vice (roteiro de direção de Adam McKay) para entender o que seria essa disposição.

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