Em março deste ano publiquei neste blog histórico da proximidade da família Bolsonaro com as milícias, levantando dados desde 2003. Essa afinidade passa por elogios à atuação desses grupos de bandidos, condecoração a alguns de seus integrantes e emprego de parentes de militantes dessas organizações criminosas em gabinetes.

Reproduzo abaixo os fatos que colhi à época, atualizando as informações agora, quando o nome do presidente Jair Bolsonaro é citado no inquérito que investiga o assassinato de Marielle Franco e de seu motorista Anderson Gomes.

Reportagem da Rede Globo divulgou que, no dia do crime que ceifou a vida da Marielle e Anderson (14/3/2018), o ex-policial militar Élcio Queiroz (outro suspeito do duplo assassinato), entrou no condomínio Vivendas da Barra (Rio) poucas horas antes do crime. No residencial mora o sargento aposentado da PM, Ronnie Lessa – suspeito de ter feito o disparos que atingiram as duas vítimas -, onde também morava o então deputado federal Jair Bolsonaro.

Segundo a Rede Globo, o suspeito teria pedido para se dirigir à casa 58 (de Bolsonaro), tendo sido autorizado a entrar pelo “seu Jair”, conforme depoimento do porteiro. No entanto, o funcionário, pelo circuito interno de câmeras, teria visto Élcio dirigir-se à casa 65 (de Lessa).

Logo após a matéria ter ido ao ar, em uma “live” (transmissão ao vivo pelo Facebook), o presidente atacou a Rede Globo e acusou o governador do Rio, Wilson Witzel, de manobrar as investigações para prejudicá-lo.

A divulgação desses fatos deu-se no dia 29/10, no Jornal Nacional. No dia seguinte, três promotoras do Ministério Público do Rio deram entrevista coletiva sobre o assunto. A promotora Simone Sibilio afirmou que a informação dada apelo porteiro “não batia com a prova pericial”, sugerindo que ele teria mentido.

Depois, soube-se que a perícia fora feita em tempo recorde (após reportagem da Rede Globo) e com análise de uma cópia do material, que pode ser adulterado. Uma perícia bem realizada teria de ser feita no computador original, onde as anotações foram feitas, segundo peritos ouvidos.

A situação piorou quando o presidente disse que havia recolhido as provas no condomínio, em uma ação aparentemente irregular: “Nós pegamos antes que fosse adulterado, ou tentasse adulterar. Pegamos lá toda a memória da secretária eletrônica, que é guardada há mais de anos. A voz não é minha. Não é o seu Jair”.

Além disso, o editor do Intercept Brasil, Leandro Demori, levantou informações sobre outra das procuradoras que deram a entrevista, Carmen Eliza Bastos de Carvalho, mostrando que era uma militante bolsonarista, e fizera campanha eleitoral para Bolsonaro. Depois de intensa pressão, ela pediu para deixar o caso.

E só lembrando: a história recente do Brasil mostra que poderosos foram à queda por depoimento de funcionário humildes. O ex-presidente Fernando Collor e o motorista Eriberto França; o ex-ministro Antônio Palocci e o caseiro Francenildo Costa. Agora, Bolsonaro é citado por um porteiro, cujo nome ainda está preservado em segredo de Justiça.

O fato é que há muito ainda para esclarecer sobre uma investigação que já demora um ano e sete meses sem que se saiba:

Quem matou Marielle e Anderson?

Quem mandou matar?

Por quê?

* * *

Veja as informações que mostram afinidade da família Bolsonaro com as milícias. Cada um dos itens relata um fato comprovável, sem nenhum tipo de opinião.

2003, AGOSTO. Estava em debate na Câmara dos Deputados a ação de um grupo de extermínio na Bahia, que cobrava entre R$ 50 e 100 para assassinar pessoas. O então deputado Jair Bolsonaro, em seu discurso, disse o seguinte: “Quero dizer aos companheiros da Bahia — há pouco ouvi um parlamentar criticar os grupos de extermínio — que enquanto o Estado não tiver coragem de adotar a pena de morte, o crime de extermínio, no meu entender, será muito bem-vindo. Se não houver espaço para ele na Bahia, pode ir para o Rio de Janeiro”.

2007, FEVEREIRO. Flávio Bolsonaro, então deputado estadual (hoje senador), falando na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), discursou: “Como bem disse o Sr. Deputado Paulo Ramos, não se pode, simplesmente, estigmatizar as milícias, em especial os policiais envolvidos nesse novo tipo de policiamento, entre aspas. (…) A milícia nada mais é do que um conjunto de policiais, militares ou não, regidos por uma certa hierarquia e disciplina, buscando, sem dúvida, expurgar do seio da comunidade o que há de pior: os criminosos”.

2008, JUNHO. Durante debate para a instalação da CPI das Milícias na Alerj, proposta e presidida por Marcelo Freixo (Psol), Flávio Bolsonaro, elogiou o trabalho dos milicianos: “Sempre que ouço relatos de pessoas que residem nessas comunidades, supostamente dominadas por milicianos, não raro é constatada a felicidade dessas pessoas que antes tinham que se submeter à escravidão, a uma imposição hedionda por parte dos traficantes, e que agora, pelo menos, dispõem dessa garantia, desse direito constitucional, que é a segurança pública”.

2008, DEZEMBRO. A CPI das Milícias é concluída, com o relatório final pedindo indiciamento de 266 pessoas, entre elas sete políticos, suspeitos de ligação com grupos paramilitares no Rio. Nesse mesmo ano, o relatório foi entregue à Câmara Federal. O então deputado Jair Bolsonaro discursou: “Querem atacar o miliciano, que passou a ser o símbolo da maldade e pior do que os traficantes. Existe miliciano que não tem nada a ver com ‘gatonet’, com venda de gás”. Depois disse que não se podia “generalizar”, classificando de “covarde” o relatório e o presidente da CPI, Marcelo Freixo.

2011, AGOSTO. A juíza Patrícia Acioli, conhecida por combater as milícias no Rio de Janeiro foi assassinada com 21 tiros, no dia 12, por dois homens, quando chegava em casa. O comentário de Flávio Bolsonaro no Twitter: “Que Deus tenha essa juíza, mas a forma absurda e gratuita com que ela humilhava policiais nas sessões contribuiu para ter muitos inimigos”.

2015, JANEIRO. Daniela Barbosa Assumpção de Souza, juíza da Vara de Execuções Penais, sofre grave agressão ao fazer inspeção no Batalhão Especial Prisional, onde estavam presos policiais militares acusados de integrar uma milícia. Ela teve a blusa rasgada, perdeu óculos e sapatos. Disse Flávio Bolsonaro: “A juíza se dirigiu de forma desrespeitosa a alguns policiais, chamando de vagabundos e milicianos. (…) Acabou sendo expulsa lá de dentro por policiais que se revoltaram”.

2018, FEVEREIRO. Já candidato a presidente, em entrevista ao programa “Pânico”, rádio Jovem Pan, Jair Bolsonaro, ao responder como pretendia combates as milícias, afirmou: “Calma. Você tem que pensar. Tem gente que é favorável à milícia, porque é a maneira que eles têm de ser ver livre da violência. Naquela região que a milícia é paga, não tem violência. Não é só na região não, você vai para Madureira, naquele centro de Madureira, tem muito comércio, pequenos shoppings ali. Quem paga, em média, cinquenta merréis por mês, para alguém daquela área, não tem arrastão no shopping dele”.

2018, MARÇO, DIA 14. A vereadora Marielle Franco (Psol-RJ) e seu motorista Anderson Gomes são assassinados no Rio de Janeiro, provocando comoção mundial. As primeiras suspeitas apontam para a ação de milicianos. Dos 13 candidatos a presidente, apenas Jair Bolsonaro não manifestou pesar ou solidariedade às famílias pelas mortes. Um assessor disse que ele não falaria, pois a sua opinião seria “polêmica demais”.

2018, MARÇO. Depois em entrevista a um canal bolsonarista no Youtube, Bolsonaro justificou-se dizendo que devido ao “simbolismo” da vereadora, qualquer depoimento seria “potencializado e distorcido” contra ele, por isso resguardaria o “direito de permanecer em silêncio”.

2018, MARÇO. Dois dos filhos de Bolsonaro falam sobre o assassinato de Marielle e Anderson. Flávio chegou a escrever e seu Twitter que lamentava a morte de Marielle, e que mantinha “relação respeitosa” com a vereadora, mas depois apagou a postagem. Eduardo (deputado federal por São Paulo) preferiu criticar as suspeitas de que policiais militares poderiam estar envolvidos no crime: “Se você morrer seus assassinos serão tratados por suspeitos, salvo se você for do Psol, aí você coloca a culpa em quem você quiser, inclusive na PM”, escreveu.

2018, ABRIL. Flávio é o único deputado a votar contra a proposta de Marcelo Freixo (PSol) para a Alerj conceder a medalha Tiradentes em homenagem póstuma a Marielle Franco. A proposta foi votada no dia 13, e aprovada com a seguinte observação: “Com voto contrário do Deputado Flávio Bolsonaro”.

2018, JULHO. Em campanha eleitoral, Jair Bolsonaro procurou se distanciar do tema, dizendo que “as milícias acabaram se desvirtuando”, acrescentando que não queria mais falar do assunto.

2018, SETEMBRO. A operação Quarto Elemento, coordenada pelo Ministério Público Estadual do Rio, deteve os irmãos PMs Alan e Alex Rodrigues de Oliveira, acusados de fazer parte de uma quadrilha especializada em extorsão de dinheiro e também de constituir, integrar e financiar organização criminosa. Ambos participavam das campanhas de Jair Bolsonaro e de seu filho Flávio (candidato eleito ao Senado). No caso de Flávio, atuavam como seguranças, segundo informações de integrantes da campanha. Na ocasião, Bolsonaro disse que a participação de agentes em sua campanha era “voluntária”.

2018, SETEMBRO. Na época, jornais informaram que a irmã dos PMs Alan e Alex, Valdenice de Oliveira Meliga, era assessora de Flávio e tesoureira do PSL no Rio. Salário: R$ 6,4 mil. Em 1º/10/2017, Flávio havia publicado uma foto em seu Instagram ao lado dos dois irmãos PMs (gêmeos) e do pai, Jair Bolsonaro, com a seguinte legenda. “Parabéns Alan e Alex pelo aniversário, essa família é nota mil!!!”

2018, SETEMBRO. No total, a operação Quarto Elemento buscava mais de 40 suspeitos. Entre os presos estavam também outros três policiais: os PMs Leonardo Ferreira de Andrade e Carlos Menezes de Lima e o policial civil Bruno Duarte Pinho. Os três policiais haviam recebido da Assembleia Legislativa do Rio “moção de louvor e congratulações” por “serviços prestados à sociedade”, proposta de Flávio Bolsonaro.

2018, OUTUBRO. Os então candidatos a deputado Rodrigo Amorim (estadual) Daniel Silveira (federal), em ato de campanha, rasgam uma placa de rua em homenagem a Marielle. Os dois são do PSL-RJ e foram eleitos com o apoio entusiasmado da família Bolsonaro. Wilson Witzel (PSC), então candidato (eleito) a governador do Rio, estava no ato e também comemorou a destruição da homenagem. Amorim mandou emoldurar um pedaço da placa afixando-a em seu gabinete

2019, JANEIRO. Deflagrada a operação Os Intocáveis, na qual são presos e denunciados pelo menos 13 suspeitos de participarem de uma milícia que age na zona Oeste do Rio de Janeiro. Entre eles estavam o major da PM Ronald Paulo Alves Pereira, que foi preso, e o ex-capitão do Bope, Adriano Magalhães da Nóbrega, foragido. Ambos foram homenageados (2003/2004) na Alerj, por proposta de Flávio Bolsonaro. Nóbrega recebeu a mais alta comenda, a Medalha Tiradentes; Pereira ficou com uma menção honrosa, este quando já era investigado como um dos autores de uma chacina que matou cinco jovens, na Baixada Fluminense. Ronald é considerado um dos líderes Escritório do Crime, organização especializada em assassinatos, suspeita de estar envolvida na morte de Marielle e de seu motorista Anderson.

2019, JANEIRO. Além de homenagear esses militares, Flávio Bolsonaro empregava em seu gabinete de deputado estadual, até novembro do ano passado, duas parentes de Adriano Magalhães da Nóbrega: a mãe, Raimunda Veras Magalhães e a irmã, Danielle Mendonça da Costa Nóbrega. Cada uma com salário de R$ 6,4 mil. Segundo Flávio, Fabrício Queiroz foi o responsável pela contratação das duas. Queiroz ficou conhecido depois de revelar-se que outros funcionários do gabinete repassavam dinheiro para a conta dele. Suspeita-se que o motorista Queiroz era o responsável por administrar a prática conhecida como “rachadinha”.

2019, FEVEREIRO. A revista piauí publica levantamento, com base nos registros da Assembleia Legislativa do Rio, mostrando que, entre 2003 e 2018, o então deputado Flávio Bolsonaro aprovou moções e medalhas para 19 policiais militares, três policiais civis e um tenente-coronel da reserva do Exército, que são réus na Justiça ou foram condenados por crimes diversos, que vão do homicídio à lavagem de dinheiro, organização criminosa ou fraudes em licitações. Entre as homenagens concedidas por Flávio há as chamadas “moções” (usadas para expressar louvor) – e a Medalhas Tiradentes, a mais alta condecoração da Alerj. Na maioria dos casos, os indiciamentos e as punições ocorreram depois de os policiais terem sido homenageados por Flávio Bolsonaro.

2019, MARÇO. Poucos dias antes de completar um ano da morte de Marielle e Anderson, a polícia civil prende o sargento reformado da PM Ronnie Lessa e o ex-PM Élcio Vieira de Queiroz, suspeitos de serem os executores do duplo assassinato. Segundo o Ministério Público, Lessa era muito vinculado ao Rio das Pedras, local de atuação do grupo de milicianos do Escritório do Crime. Lessa mora no Rio, no mesmo condomínio do presidente Jair Bolsonaro, na mesma rua da residência do presidente. O delegado Giniton Lages, que coordenou a operação, informou que o filho mais novo de Bolsonaro namorou a filha de Lessa.

2019, MARÇO. A polícia também descobriu que Ronnie Lessa rastreava, pela internet, defensores de direitos humanos, com “singular obsessão” pelo deputado federal Marcelo Freixo (Psol). Quando deputado estadual, Freixo foi responsável pela CPI das Milícias, na Assembleia Legislativa do Rio, que começou a levantar o véu sobre esses grupos de bandidos e suas possíveis ligações com políticos.

Esses são os fatos, até agora.