Publiquei, na edição impressa do O POVO (31/10/2019), o artigo Atrevimento sem limites comentando dois fatos recentes com relação ao governo: a citação do presidente Jair Bolsonaro no inquérito que investiga o assassinato da vereadora Marielle Franco e seu motorista Anderson Gomes – com a consequente reação apoplética de Bolsonaro – e o vídeo divulgado em sua conta no Twitter, no qual o presidente aparece defendendo-se de vários “inimigos”. Pretendo aqui ampliar um pouco a análise.

INIMIGOS
As duas situações remetem para uma radicalização mais acentuada de Jair Bolsonaro. No caso do vídeo, ele relaciona nada menos do que 23 instituições que seriam suas inimigas – que vão de partidos políticos, passando pelo Supremo Tribunal Federal e chegando à Organização das Nações Unidas. Os “inimigos” são representados por uma alcateia de hienas que atacam um leão (o próprio Bolsonaro). Ou seja, haveria uma espécie de conspiração mundial contra o seu governo. Isso é típico de quem deseja chamar para si um poder autoritário, pois só assim – querem convencer a muitos -, seria possível “dar um jeito” no Brasil.

VEJA OS SINAIS
Os sinais que Bolsonaro busca uma ruptura institucional são cada vez mais evidentes, potencializadas pelo “gabinete do ódio” – instalado no Palácio do Planalto – e pelo guru da família, Olavo de Carvalho.

a) Bolsonaro costuma repetir com frequência elogios à ditadura e a torturadores.

b) Ele e seus filhos fazer constantes ameaças à democracia. Segundo Eduardo Bolsonaro, “um cabo e um soldado seriam suficientes para fechar a Suprema Corte.

c) O “gabinete do ódio”, responsável pelas redes sociais de Bolsonaro, investe com violência contra pessoas e instituições que não rezam pela estritamente pela cartilha bolsonariana. Esse grupo seria formado pelos assessores Tércio Arnaud Tomaz, José Matheus Sales Gomes e Mateus Matos Diniz, sob as ordens diretas de Carlos Bolsonaro.

d) Influente no governo e na família Bolsonaro, apesar de morar nos Estados Unidos, o “guru” Olavo de Carvalho instou o presidente a “fechar” os partidos de esquerda no Brasil.

RUPTURA INSTITUCIONAL
Em 29/10/2019 Gustavo Bebianno deu uma entrevista à plataforma jornalística Congresso em Foco, na qual faz algumas previsões a respeito do que pode acontecer com o presidente: “Ou ele renunciará, ou sofrerá impeachment ou, na hipótese mais grave, tentará uma ruptura institucional, um golpe de Estado”. Bebianno, como todos sabem era presidente do PSL durante as eleições, tendo comandado a vitoriosa campanha de Jair Bolsonaro. Depois das eleições, foi nomeado titular da Secretaria Geral da Presidência da República, mas durou menos de um mês no cargo, defenestrado por ter entrado em confronto com Carlos.

Hoje ele diz que Bolsonaro deixou o poder subir-lhe à cabeça, cercou-se de “loucos” e faz uma gestão marcada pelo autoritarismo, pelo “desarranjo mental”, pela irresponsabilidade e pelo “desgoverno”. (É de se perguntar por que ele só notou isso depois que saiu do governo, mas esse é outro assunto.)

INCENTIVANDO A DITADURA
Pouquíssimo tempo depois, em 31/10, é divulgado uma entrevista de Eduardo Bolsonaro como que confirmando as palavras de Bebianno sobre a ruptura institucional. Falando para a jornalista Leda Nagle, Eduardo ameaçou com um “novo AI5” se a esquerda “radicalizar”. O Ato Institucional número 5 foi instituído durante a ditadura, em 1968, e abriu o período mais violento do regime militar.

ÓDIO À IMPRENSA
Na “live” (transmissão ao vivo) que o presidente fez para responder à reportagem da Rede Globo, revelando que seu nome aparecia nas investigações da morte de Marielle Franco, ele ameaçou não renovar a concessão da emissora (que vence em 2022) e chamou de “patifaria”, “podre” e canalha a cobertura sobre seu mandato, expandindo para a imprensa os adjetivos de “porca” e “nojenta”. Os ataques aos jornais são uma constante nos discursos de Bolsonaro.

DEMOCRACIA
O fato é que Bolsonaro fecha o gabarito criado por Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, com quatro indicadores, para detectar se um político tem ou não perfil autoritário. O teste está no livro no livro “Como as democracias morrem”.

Os quesitos são:

1. Rejeição (ou comprometimento fraco) com as regras do jogo democrático.

2. negação da legitimidade dos oponentes políticos.

3. tolerância ou encorajamento à violência.

4. prontidão para reduzir as liberdades civis dos oponentes, incluindo a mídia.

RESISTÊNCIA
Mas, se ele conseguirá ou não aplicar um “novo AI5”, como quer seu filho Eduardo – ou tentará “uma ruptura institucional”, como desconfia Gustavo Bebianno -, vai depender da vigilância das instituições democráticas – especialmente STF e Congresso Nacional – e da resistência da sociedade civil.

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Textos que escrevi em janeiro e março deste ano, 2019.
> Qual a relação de Bolsonaro com as milícias?
> Bolsonaro e as milícias.