Sofre alguém dentre vós um contratempo? Recorra à oração. Está alguém alegre? Cante. Alguém dentre vós está doente? Mande chamar os presbíteros da Igreja para que orem sobre ele, ungindo-o com óleo em nome do Senhor. A oração da fé salvará o doente e o Senhor o porá de pé; e se tiver cometido pecados, estes lhe serão perdoados. Confessai, pois, uns aos outros, vossos pecados e orai uns pelos outros, para que sejais curados.

Epístola de São Tiago 5,13-16a

[Bíblia de Jerusalém. Gorgulho, Gilberto da Silva; Storniolo, Ivo; Anderson, Ana Flora (Coord.). Tradução do texto em língua portuguesa diretamente dos originais. 4ª reimpressão.  São Paulo: Paulus, 2006, p. 2112]

Eu tinha uma prima muito querida, que já não se encontra em nós, que gostava de combinar comigo o seguinte: eu rezaria por ela, e ela, por sua vez, rezaria por mim. Vez por outra celebrávamos este trato por alguns dias. Ainda hoje tenho a mais plena convicção de que fui muito beneficiado por aquelas orações que Bernadete – este era seu nome – fazia na minha intenção. Penso que de alguma forma, ainda hoje, mesmo ela já estando em outra dimensão, provavelmente ainda ore por mim, assim como também tenho feito em algumas ocasiões, quando oro por sua alma.

Segunda-feira última, postei neste blog um texto em que comentei um trecho da epístola de São Tiago a propósito da oração. Hoje, dou continuidade ao tema, tendo mais uma vez como mote um excerto da epístola do apóstolo em que ele discorre sobre o assunto. Comecei falando do trato que eu fazia com minha prima Bernadete para que rezássemos um pelo outro.  Tomei esse fato como introdução porque gostaria de me reportar, aqui, à exortação de São Tiago para que intercedamos uns pelos outros através da oração.

Não sei precisar exatamente  até que ponto o  orante influi sobre o resultado da oração. Quero dizer com isso que não sei em que medida a maior ou menor eficácia da oração pode ser atribuída à figura do orante. Caso uma pessoa detenha tal poder, isso certamente resultará de uma série de fatores e idiossincrasias. Mais importante, porém, do que qualquer mérito ou demérito do intercessor, talvez o que esteja de fato em jogo seja a compaixão e o amor mobilizados por aquele que intercede por outrem em suas orações. Provavelmente resida aí a grande força da oração de intercessão.

A propósito desse assunto, escreve A. M. Kater Filho no livro Orar com eficácia e poder:  “A oração de intercessão é, por excelência, aquela que nos desprende de nós mesmos e nos atém às necessidades do próximo, por quem nos propomos a rezar. Ela se enquadra, rigorosamente, dentro dos múltiplos desdobramentos do grande mandamento de Jesus: Amar o próximo, como a si mesmo. Sim, pois, para sermos verdadeiros intercessores, precisamos sentir pelo outro um amor profundo, a ponto de nos colocarmos em seu lugar para desempenharmos o papel de pedintes, orantes e suplicantes que, muitas vezes, este próximo, por estar envolvido em sua dor, doença, ignorância ou pecado, não tem condições de fazê-lo”.

A seguir, conclui, de forma lapidar: “A oração de intercessão é, por essa razão, um gesto de misericórdia, pois não vê, nem julga os méritos ou deméritos do próximo, mas passa por cima de suas prováveis misérias e fraquezas para, com amor, desprendimento e compaixão assumir as suas dores e pedir intensamente  e incessantemente a Deus por seu alívio ou por sua salvação, como se fosse um benefício para si próprio” (Kater Filho, A. M. Orar com eficácia. – São Paulo: Editora Ave-Maria, 2007, p. 47).

Resta, pois, a convicção de que alguma força muito poderosa é mobilizada quando intercedemos por outros através de nossas orações. Talvez o próprio desejo de ajudar, que me leva a dispender parte do meu tempo em recolhimento e interiorização em prol do outro, já seja por si só um fator agregador de forças poderosas, mobilizadas pelo amor e a compaixão. A empatia, capaz de me tornar um com o outro à medida que torno minhas suas dores, talvez, de certa forma, já alivie um pouco os pesares daquele que sofre. À luz desta premissa é, pois, mister atender à exortação do apóstolo São Tiago, quando ordena: “… orai uns pelos outros, para que sejais curados”.

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Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

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