O discernimento espiritual é a chave de toda a oração. Assim o assinalou energicamente Inácio de Loyola; assim o destacaram depois muitos crentes. O discernimento continua sendo experiência pessoal, no sentido mais profundo deste termo: cada um deve excutar a voz de Deus e realizá-la, correspondendo a ela de maneira criativa.

 Xavier Pikaza

[Pikaza, Xavier. Verbete: Oração. Em: Dicionário de Conceitos Fundamentais do Cristianismo. Dirigido por Casiano Floristán Samanes e Juan-José Tamayo-Acosta. Tradução Isabel Fontes Leal Ferreira e Ivone de Jesus Barreto. – São Paulo: Paulus, 1999, p. 545. – (Coleção dicionários).]

Há uma voz que nos fala leve e suavemente na oração.  Raramente ela o faz de forma incisiva, não sendo de sua natureza manifestar-se com estrépito. Preferível seria dizer que ela fala em sussurros, com tal suavidade que se torna quase inaudível. Isso se dá porque o seu órgão de escuta não é, nesse caso, o ouvido, mas o coração. Daí também porque raras vezes, no bulício do mundo em que a maioria de nós está imerso, ela consegue ser ouvida. E com isso perdemos um tesouro de valor inestimável.

A voz que nos fala na oração, que não é outra senão a voz de Deus, exige alguns requisitos para que possa se fazer ouvir e produzir resultados. Sem tais requisitos mínimos será vã qualquer tentativa de acessá-la. Aqui eu gostaria de destacar especialmente dois, quais sejam, o silêncio e a disponibilidade.

O ato de se colocar numa atitude orante pressupõe como requisito número um o silêncio. Este silêncio tem muitos sentidos. Não se trata apenas de silenciar a palavra, mas, antes de tudo, silenciar o diálogo interior, essa tagarelice a que todos nós nos entregamos em todos os momentos de nossa vida de vigília. Paralelo a esse, urge igualmente silenciar o corpo, que participa na oração muito mais do que se poderia supor. Eu diria que o silenciar da mente e do corpo devem acontecer mais ou menos simultaneamente, pois um reforça e favorece o outro. Quando eu silencio a mente, meu corpo responde automaticamente com uma certa quietude e este, por sua vez, ao aquietar-se, também favorece a cessação do diálogo interior.

Isso quer dizer que a posição em que mantemos nosso corpo durante a oração tanto pode contribuir quanto dificultar a oração, determinando, inclusive, a profundidade que atingiremos em nosso exercício de recolhimento interior.

Uma vez aquietados corpo e mente, segue-se o segundo requisito, a disponibilidade. Ao usar aqui a palavra disponibilidade estou me referindo à abertura necessária ao orante para escutar a voz que lhe falará ao coração. Creio que todos nós temos um itinerário a seguir, e a oração é uma das formas privilegiadas de acesso a esse itinerário. Mas para que ele nos seja revelado, precisamos manter uma atitude de total receptividade. Depois, resta seguir as indicações que essa profunda voz interior vai nos dando de forma gradativa e suave. À medida que formos executando as intuições que nos vão sendo fornecidas durante a oração, os resultados começarão a se fazer notar. E isso fará crescer sempre mais em nosso íntimo a convicção de que estamos na trilha certa, aquela trilha que é única e que está destinada exclusivamente a nós próprios.

Não se tenha dúvidas, portanto. Deus nos fala, e quando o faz, nos indica qual é a Sua vontade e o Seu plano. Segui-lo é o imperativo que nos resta, sob pena de desperdiçarmos essa oportunidade única e fantástica que é a vida que nos foi dada.

Antes de concluir, porém, devo fazer um alerta.  Para muitas pessoas é difícil atingir um nível, ainda que mínimo, de silêncio da mente e do corpo, tendo em vista as próprias condições da vida contemporânea. Isso, porém, não deve ser motivo para desistir. Por que o simples fato de insistir na oração levará a pessoa a atingir, depois de determinado tempo, um certo nível de quietude. Portanto, comece, o importante é tentar e manter a determinação, nunca desistindo. Os resultados a seu tempo virão, isso posso assegurar com certeza.

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Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

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