Pequenas histórias da vida de FranciscoTenho as minhas preocupações voltadas tanto para aquelas pessoas com origem semelhante à minha, como para aquelas que podiam aproveitar melhor as oportunidades, muitas até nascidas em berço de cetim, para não dizer de ouro, posto que todas são dotadas da mesma capacidade de mudar suas histórias de vida, dessa força mágica interior que se encontra na base de todas as grandes realizações do ser humano.

Francisco Castro de Souza

[Souza, Francisco Castro de. Pequenas histórias da vida de Francisco. – Fortaleza: Premius, 2013, p. 112.]

Sempre que leio autobiografias, uma indagação me vem à mente: até que ponto nós determinamos nosso destino e até que ponto somos determinados por ele? Reconheço que essa não é uma questão de fácil resposta. Além da dificuldade que a própria palavra destino nos coloca, a pergunta acaba por trazer à baila, como corolário, outras não menos controversas, como livre-arbítrio e liberdade.

Pois bem, foi sobre isso que me pus a pensar à medida que avançava na leitura das “Pequenas Histórias da Vida de Francisco”. Trata-se do relato da vida de uma pessoa que, digamos assim, tinha tudo pra dar errado. Nascido numa família pobre, num país que ao longo de sua história não tem sido muito generoso com os desfavorecidos, a saga de Francisco tem início em 12 de dezembro de 1954. Esse dia fatídico para a família assinala o falecimento do pai, deixando órfãos Francisco, o primogênito, outros seis irmãos, um dos quais excepcional, e o oitavo que se encontrava ainda no ventre da mãe, grávida de sete meses.

Duas alternativas surgiam-lhe em perspectiva. A primeira, tomar o caminho mais fácil e deixar que a vida seguisse seu rumo, assumindo uma posição de passividade ou resvalando para a marginalidade. A segunda, bem mais difícil, adotar uma atitude firme e agir com determinação em busca de dias melhores. Francisco optou pela segunda. Não se arrependeu.

Ao decidir tomar o destino nas próprias mãos, tem início uma jornada que o levará de vendedor de salgadinhos, sua primeira atividade remunerada, a professor universitário com duas formaturas, passando por outras tantas atividades não menos enobrecedoras. Tudo conquistado à custa de muito trabalho e estudo.

A par disso, constituiu uma família, tornando-se pai de quatro filhos. Quanto a essa dimensão da vida, pode-se dizer que a sorte sorriu-lhe generosamente, ao fazer Dona Expedita cruzar o seu caminho. Mas, também nisso, pode-se afirmar que não dá para creditar tudo apenas à sorte, pois até a esposa ele teve que conquistar, sendo necessário, para tê-la consigo, “raptá-la” da casa dos pais, conforme o verbo utilizado por ele próprio no capítulo em que trata do assunto.

Logo no início do livro, Francisco escreve palavras que podem ser tomadas como um ótimo conceito de sucesso, embora não use especificamente esse vocábulo: “Vencer não significa ficar rico, ter muitos bens e dinheiro para gastar com supérfluo. Vencer significa viver com dignidade, honradez e dependendo exclusivamente do trabalho honesto, desfrutando do necessário para si e para sua família, ser cidadão ou cidadã de bem…” (p. 7). Belas e sábias palavras, merecedoras de ponderada reflexão nestes tempos em que é tão ressaltado o sucesso a todo custo.

Um aspecto que sobressai ao longo da leitura é a ênfase dada pelo autor ao trabalho e à educação como vias privilegiadas de acesso a um futuro melhor. A propósito, escreve: “Essas histórias têm o objetivo de mostrar aos meus filhos, netos e bisnetos, que é possível vencer dificuldades através do trabalho persistente, e que a educação é a estrada que todos devem trilhar para uma vida melhor no futuro” (p. 96). Tal premissa é fruto não de conjeturas ou suposições, mas consequência natural de uma vida pautada nesses pressupostos.

Por fim, devo dizer que a leitura das “Pequenas Histórias da Vida de Francisco” levou-me, dentre outras coisas, a concluir que uma possível resposta para o enigma que me fora proposto nas primeiras páginas do relato é que somos, em parte, o que a vida faz de nós, e, em parte, o que nós fazemos da vida, o delicado equilíbrio entre destino e livre-arbítrio.

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Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

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