Eu nunca imaginei que um dia seria uma sobrevivente do câncer. Minha jornada de vida foi sempre preenchida com relacionamentos – família, amigos, conhecidos, estudos, um amor profundo por Deus e pelo povo de Deus, uma paixão pelo ensino e um amor por tudo que a vida oferece.

Catherine Stewart, OP

[Stewart, Catherine. Enfrentando o câncer com Maria. Tradução de Júlio Andrade Filho. – São Paulo: Editora Ave-Maria, 2019, p. 9]

Sabem aquelas histórias que, de vez em quando, acontecem com pessoas que frequentam os livros com assiduidade, quando calha de, dentre tantas e tão constantes leituras, se depararem com um livro que lhes provoca inesperadas transformações? Pois é, meu encontro com este livro que lhes apresento agora foi assim. Eu diria que se trata de um livro tão simples, singelo e despretensioso quando profundo e valioso. E sua profundidade e valor encontram-se, exatamente, em sua simplicidade.

Nele, a autora, Irmã Catherine Stewart, relata a história de um câncer descoberto inesperadamente e sem que nada a fizesse pelo menos suspeitar que estava sendo, silenciosamente, vitimada por doença tão assustadora. No capítulo inicial, intitulado  Anunciação, que tem como subtítulo “Dizendo o primeiro de muitos “sins”” ela relata o momento crucial e doloroso da descoberta do mal que a acometera: “A vida de Maria tomou um rumo inesperado quando ela recebeu a visita do Anjo Gabriel. Muitas vezes me pergunto se ela se sentiu perplexa, confusa e intrigada depois que o Anjo foi embora. Será que ela se perguntava como o seu “sim” afetaria não apenas sua vida presente mas também seu futuro? Minha vida, como a de Maria, estava prestes a tomar um rumo inesperado quando o cirurgião, “Dr. P”, disse-me: “Vou conseguir uma sala de cirurgia e vamos fazer o procedimento cirúrgico AGORA!”. Quando ele saiu, eu estava com medo e confusa. Realmente não entendia o que estava acontecendo” (p. 13).

Perplexa, Irmã Catherine buscou em Maria o amparo em momento tão difícil. O Rosário, nesse caso, foi o meio escolhido por ela para acercar-se de Nossa Senhora, conforme explica: “Como paciente de câncer e sobrevivente, muitas vezes escolho seguir os passos de Maria por meio da meditação dos mistérios do Rosário. Eles nos ajudam a nos concentrarmos na vida de Maria. Era uma mulher forte e corajosa – ela ficava na escuridão às vezes, quando não tinha certeza para onde sua jornada a levaria; aprofundava-se em seus relacionamentos – pequenos passos de cada vez; vivia o presente e tentava responder ao momento, confiando que dizer “sim” em pequenas situações cotidianas intensificaria sua fé e sanaria as dúvidas que a espreitavam por dentro” (p. 10).

Assim, ancorada na recitação e meditação dos mistérios do Rosário, prosseguiu ela em sua jornada de enfrentamento e esperança de cura da doença. Dividido em três partes, o livro é o relato do itinerário seguido por ela. Há tantas passagens lindas e edificantes no relato da Irmã Catherine, que fica difícil escolher alguma para transcrever neste artigo. Mas como hoje é sábado, dia dedicado a Nossa Senhora, escolhi episódio em que ela narra um fato ocorrido nesse dia da semana. Diz ela: “Tive muitos amigos que me ajudaram a carregar essa cruz. Enquanto eu estava na UTI, recebi muitos cartões. Umas das enfermeiras que trazia cartas para mim todos os dias sempre dizia: “Veja o quanto você é amada!” Essa simples frase me estimulou quando comecei o processo de cura. Uma amiga ia todos os sábados me visitar e almoçar comigo. Como guardei essas visitas!” (p. 67)

E prossegue, falando de um desses maravilhosos sábados, que ficaram impressos em sua mente como instantes memoráveis: “Um sábado, quando essa amiga chegou, eu estava de pé, vestida e com a bolsa na mão e anunciei que iríamos ao Walmart para comprar calças de moletom (minha calça comum fazia minha ferida cirúrgica doer), e, depois, iríamos as Washington Park para ver uma exposição de arte. Ela hesitou um pouco; acho que não tinha certeza se queria ser responsável pelo meu primeiro passeio. Ela viu determinação em meus olhos e decidiu não discutir. Lá fomos nós! Enquanto eu lentamente a guiava por partes desconhecidas da nossa Casa-Mãe, minha amiga percebeu que ninguém sabia que eu estava planejando sair! Depois da expedição de compras, disse a ela: “Acho que preciso ir para casa. Não tenho mais energia”. Mas como foi bom sair um pouquinho” (p. 67).

A propósito da autora, o próprio livro nos fornece a seguinte informação: “Irmã Catherine Stewart é uma freira dominicana de Springfield (Illinois/EUA). É professora em tempo integral no Departamento de Educação do Blackburn College (Illinois) e sobrevivente de um câncer. Possui amor profundo por Deus, pelo povo e uma paixão especial pelo ensino”.

Eu teria muito mais o que dizer sobre este maravilhoso livro, mas prefiro silenciar, para não roubar aos leitores o prazer que lhes proporcionará descobrirem por si mesmos o seu inestimável valor. Concluo citando uma das belas orações com que a autora finaliza cada um dos textos do livro. Escolhi essa por um motivo particular: ela fala da difícil virtude de abrirmos mão do controle, deixando que Deus, em sua infinita misericórdia, cuide de tudo.

“Oração

Deus bom e gracioso, estamos diante de vós com as mãos abertas. Dai-nos a graça necessária para permitir que tomeis o que quiserdes e abençoai-nos com o que desejardes que recebamos. Ajudai-nos a saber que nossa ilusão de controle é apenas isso – uma ilusão. Dai-nos a capacidade de recuar e confiar que caminhareis conosco na dor emocional e física. Abençoai as pessoas em nossas vidas que positivamente modelam a atitude de liberar aquilo que for preciso. Dai-nos a coragem de compartilhar nossos momentos de abrir mão com os outros, para que possamos ser uma bênção mutuamente” (p. 51).   

About the Author

Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

View All Articles