Naqueles dias, eu era um daqueles que desceram de Nazaré para ser batizado por João, nas águas do Jordão. Segundo o Evangelho de Marcos, em minha imersão, os céus se abriram, ví “um espírito sob a forma de uma pomba, descendo” e uma voz poderosa disse: “Você é o Meu filho amado e em ti Eu me sinto bem satisfeito.” Então, o Espírito me conduziu ao deserto, onde permaneci durante quarenta dias, e onde Satã veio me tentar.
Porquanto não diria que as palavras de Marcos sejam falsas, elas contêm muito exagero. E mais ainda as de Mateus, e Lucas, e João, que me atribuíram frases que nunca proferi, descrevendo-me como amável, quando eu estava pálido de ira. Eles escreveram muitos anos depois de minha partida, apenas repetindo o que escutaram de homens mais velhos. Muito velhos, mesmo. São histórias tão sem fundamento quanto um arbusto desprendido de suas raízes e que vagueia ao léu, tangido pelo vento.
Portanto, farei meu próprio relato. Aos que eventualmente perguntarem de que modo minhas palavras chegaram a esta página, dir-lhes-ei tratar-se de um pequeno milagre – meu evangelho, afinal, falará de milagres. Contudo, minha expectativa é chegar tão perto da verdade quanto possível. Marcos, Mateus, Lucas e João buscavam aumentar seu rebanho. E o mesmo vale para outros evangelhos, escritos por outros homens. Alguns desses escribas só falariam aos judeus que se prontificaram a me seguir após a minha morte, e alguns pregaram apenas para os gentios, que odiavam os judeus, embora tivessem fé em mim. Posto que cada um empenhava-se no fortalecimento da sua própria igreja, como poderiam não misturar o que era verdade com o que não era? Todavia, como de todas essas igrejas somente uma prevaleceu, e essa escolheu apenas quatro evangelhos, as demais foram condenadas por igualar “palavras imaculadas e sagradas” a “mentiras descaradas”.
Tivessem sido escolhidos quarenta, em vez de quatro, nem assim se daria conta da verdade, que pode estar conosco, num lugar, e enterrada em outro. Por conseguinte, o que vou contar não é uma história simples, nem sem surpresas, mas verdadeira, pelo menos considerando tudo aquilo de que me lembro.
Norman Mailer
[Mailer, Norman. O Evangelho Segundo o Filho. 3ª. ed. – Tradução de Marcos Aarão Reis e Valéria Rodrigues. Rio de Janeiro: Record, 1998, p. 7.]
Sem mais, foi o jesuíta Auguste Valensin ao enunciar o essencial quando admite que, embora impossível, se se lhe mostrasse, no leito de morte, com a mais perfeita evidência, que ele errou, que não existe sobrevivência, que não existe sequer Deus, não se arrependeria de ter crido; mas se sentiria honrado porque creu em tudo isso, porque mesmo que o universo seja algo imbecil e digno de desprezo, pior para o universo, porque não errou quem pensou que existe Deus, mas o erro seria de Deus se Ele não existisse; algo semelhante não consigo encontrar fora ou acima do credo que Dostoiévski tinha formulado para si e que apresenta de modo muito simples: creio que não existe nada mais belo, mais profundo, mais excitante, mais razoável, mais viril e mais perfeito do que Cristo, mas muito mais do que isso, se alguém me provasse que Cristo está fora da verdade e que de fato a verdade está fora de Cristo, melhor seria então ficar com Cristo do que com a verdade.
Isso é tudo o que tenho à mão, algumas citações (de homens sensatos) e um sentimento – tão delicado, assistemático e frágil. E, no entanto, esse capital vago, pequeno e humilde – com o passar dos anos de prisão é meu único proveito, um embrulho pequeno – basta-me para dar-me uma segurança sólida e para transmitir-me o convencimento indestemido de que sei o que devo e o que não devo fazer.
A incerteza é a lei fundamental da civilização ocidental – e é seu signo zodíaco; é também a condição de base do cristianismo. Mas dela se aproxima – “não provada” pelo plano humano, científico – aqueles convencimentos que são mais duros do que os teoremas, como rochas. (Temo-las das autoridades maiores). Impulsionado por eles, saberei sempre o que fazer, por meio deles posso restabelecer a qualquer tempo a ligação rompida com Deus, e a alegria; por cima do abismo, o posto emissor e o posto receptor podem entrar instantaneamente em comunicação.
Nicolae Steinhardt
[Steinhardt. N. O Diário da Felicidade. Tradução e revisão de Elpídio Mário Dantas Fonseca; revisão do texto romeno de Cristina Nicoleta M?nescu. São Paulo: É Realizações Editora, Livraria e Distribuidora Ltda., 2009, p. 146].
Depois disso, ele saiu e viu sentado ao balcão um coletor de impostos, por nome Levi, e disse-lhe: “Segue-me”. Deixando ele tudo, levantou-se e o seguiu.
Levi deu-lhe um grande banquete em sua casa; vários desses fiscais e outras pessoas estavamn sentados à mesa com eles. Os fariseus e os seus escribas puseram-se a criticar e a perguntar aos discípulos: “Por que comeis e bebeis com os publicanos e pessoas de má vida?” Respondeu-lhes Jesus: “Não são os homens de boa saúde que necessitam de médico, mas sim os enfermos. Não vim chamar à conversão os justos, mas sim os pecadores”.
Lucas 5,27-32
[Bíblia Sagrada Ave-Maria. Tradução dos originais grego, hebraico e aramaico mediante a versão dos Monges Beneditinos e Maredsous {Bélgica}. 1ª. ed. São Paulo: Editora Ave-Maria, Edição Claretiana – 2009 – Revisada, p. 1353].
Como parte das comemorações dos 83 anos do Jornal O POVO, ocorrida no dia 7 deste mês, um grupo de mais de sessenta funcionários dessa empresa jornalística se reuniu na Praçã do Ferreira, local onde foi gestada a ideia de sua criação, para a realização de um flash mob. Iniciando-se com uma distribuição de jornais, a ação teve prosseguimento com a execução de algumas coreografias que surpreenderam os transeuntes. A seguir, em meio a uma chuva de papel picado, foi descerrado do alto do edifício Severiano Roibeiro um banner de 15 metros parabenizando o jornal pelo aniversário.
Caros leitores,
Estarei de férias no período de 10 a 23 de janeiro. Por esse motivo, não farei postagens nesse período, devendo retornar com nossos textos no dia 24.
Um grande abraço a todos,
Vasco
A crítica literária, por muito tempo tida como periférica ou mesmo irrelevante aos estudos bíblicos, emergiu desde meados da década de 1970 como um novo foco importante de estudos bíblicos acadêmicos na América do Norte, Inglaterra e Israel, e tem mostrado alguns sinais notáveis na Europa. É natural, portanto, que nosso empreendimento deva ser internacional. Nosso colaboradores vêm de cátedras de ensino (com duas exceções, de universidades seculares) nos Estados Unidos, Canadá, Inglaterra, Israel, Itália e Holanda. Alguns estão envolvidos, pela fé, com os textos que estudam, ao passo que outros se veriam essencialmente como críticos seculares. Mas falam uma linguagem crítica comum, pois as diferenças entre eles derivam muito mais da sensibilidade individual e da preferência intelectual, do que de antecedentes religiosos. Em muitos casos, procuramos recrutar escritores que já tivessem dado alguma contribuição notável a este campo de pesquisa, mas não hesitamos em recorrer também a vários estudiosos mais jovens cujo trabalho inicial nos pareceu bastante promissor. O volume, então, é um ponto de encontro não apenas de nacionalidades e credos, mas também de gerações acadêmicas. A variedade de perspectivas resultante, juntamente com a unidade de propósito geral proporcionam um panorama vívido de mais de mil anos de atividade literária diversa representada na Bíblia.
Robert Alter e Frank Kermode
[Alter, Robert e Kermode, Frank (Organizadores). Guia Literário da Bíblia. Tradução Raul Fiker; revisão de tradução Gilson César Cardoso de Souza. – São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1997, p. 16. – (Prismas)]
De fato, não foi mediante a Lei que se fez a promessa a Abraão, ou à sua descendência, de ser o herdeiro do mundo, mas por meio da justiça da fé. Porque, se os herdeiros fossem os da Lei, a fé ficaria esvaziada e a promessa sem efeito. Mas o que a Lei produz é a ira, ao passo que onde não há lei, não há transgressão. Por conseguinte, a herança vem pela fé, para que seja gratuita e para que a promessa fique garantida a toda a descendência, não só à descendência segundo a Lei, mas também à descendência segundo a fé de Abraão, que é o pai de todos nós, conforme está escrito: Eu te constituí pai de uma multidão de nações – nosso pai em face de Deus em quem creu, o qual faz viver os mortos e chama à existência as coisas que não existem. Ele, esperando contra toda a esperança, creu e tornou-se assim pai de muitos povos, conforme lhe fora dito: Tal será tua descendência.
São Paulo
[São Paulo. Epístola aos Romanos, 4,13-18. Bíblia de Jerusalém. Gorgulho, Gilberto da Silva; Storniolo, Ivo; Anderson, Ana Flora (Coord.). Tradução do texto em língua portuguesa diretamente dos originais. 4ª reimpressão. São Paulo: Paulus, 2006, p. 1972.]
Que pessoa é então Jesus Cristo? O conhecimento revelado diz que é a segunda pessoa da Santíssima Trindade: “nascido do Pai antes de todos os séculos”, “Luz de Luz”, “Deus verdadeiro de Deus verdadeiro” – pessoa divina que une em Si, hipostaticamente, uma natureza de Deus e uma natureza de homem. Mas o mero conhecimento racional e científico diz que a personalidade de Jesus Cristo é excelente sobre todas as personalidades humanas de que há notícia e, por isso, em todas as épocas e latitudes, continua a ser estudada e venerada até por muitos que não se proclamam da Sua doutrina.
Assim, a cultura não para de buscar o esclarecimento desta figura de milagre: a literatura, as belas-artes, a música, o cinema, a teologia, a filosofia, a história com suas modernas técnicas e ciências afins, a cada passo aprofundam a realidade de Jesus Cristo, procurando quantas vezes desvendar o mistério pelo estudo da “pessoa e sua circunstância” e deixando-nos sempre a igual lonjura do mistério, para concluir que, só quando o estudo é ato de fé, estamos em condições de ver essa “Luz do Mundo”, que também Se afirmou Caminho, Verdade e Vida.
Prof. Doutor José do Patrocínio Bacelar e Oliveira, S.J.
[Prof. Doutor José do Patrocínio Bacelar e Oliveira, S.J.. “Uma história dentro da história”, texto de introdutório ao livro de Dante Alimenti, Seguindo a Jesus. Volume 1. Editorial Verbo, 1991, p. 4.]
Em 1676, Nosso Senhor se manifestou à irmã Margarida Maria Alacoque e, mostrando com a mão o seu coração, diz: “Eis o coração que tanto amou os homens, nada poupando até exaurir-se e consumir-se para lhes testemunhar seu amor. E em reconhecimento, não recebo da maior parte deles senão ingratidões, com o desprezo, com as indiferenças, com os sacrilégios e a frieza que têm para comigo neste sacramento de amor; mas o que mais me faz sofrer ainda é que são corações a mim consagrados aqueles que me tratam assim. Eis por que te peço que na primeira sexta-feira depois da oitava do Corpus Domini seja dedicada uma festa particular para honrar o meu coração, fazendo-lhe gloriosa reparação e comungando naquele dia para ressarcir então as indignidades recebidas durante o tempo em que esteve exposto nos altares. Eu te prometo que o meu coração se dilatará, para efundir com abundância os efeitos de seu amor divino sobre aqueles que lhe renderem esta honra e procurarem que lhe seja rendida”
Santa Margarida Maria Alacoque, Diário
[Citado em: Sgarbossa, Mario. Os santos e os beatos da Igreja do Ocidente e do Oriente: com uma antologia de escritos espirituais. Tradução Armando Braio Ara. – São Paulo: Paulinas, 2003, p. 585]
Hoje em dia, tanto entre católicos como entre os não-católicos de todo o mundo, acredita-se que Maria, a mãe de Jesus, não pode servir como uma fonte de inspiração para a mulher moderna. Definida e interpretada por homens celibatários, a tradicional mariologia tem pouco a dizer a respeito dos desafios e das aspirações das mulheres no mundo atual. As homilias dos dias de festas marianas feitas pelos sacerdotes tendem mais a alienar e a frustrar as mulheres da comunidade do que a inspirá-las. Não surpreende que muitas optem por ignorar totalmente Maria, dando preferência a figuras bíblicas como as irmãs Marta e Maria, ou Maria Madalena, conhecida como “a apóstola dos apóstolos” na Igreja primitiva, por ter sido ela a primeira a testemunhar a Ressurreição.
Tina Beattie
[Beattie, Tina. Redescobrindo Maria a partir dos Evangelhos. Tradução Silvio Neves Ferreira. – 3ª. ed. – São Paulo: Paulinas, 2007, p. 3. – (Coleção Maria em nossa vida).]