Ilustração: Jéssica Gabrielle Lima

Por Ayla Andrade*
Desde que o seres humanos descobriram os pequenos insetos e suas miudezas acredito eu que tudo ao redor se modificou.

Já viu as perninhas peludas dos grilos? As garras cerradas dos besouros? Ou a seiva da seda da aranha ao enrolar o jantar? Nunca se permanece imune quando os olhos tocam tais miudezas.

Imagina a primeira vez com uma lente de aumento a mirar bem de perto um besouro qualquer. Há sempre a magia da descoberta. Todas as cores que cabem em um corpo diminuto. Toda a força vinda de um ser mínimo. A potência da ação conjunta de vários pequenos pontos. A formiga carregando um gafanhoto, uma folha, um fruto.

A gente se sente grande e pensa, ali do alto, que a vida daqueles é puro silêncio porque eles não falam, porque pouco se ouve de som. Penso que talvez não captam os nossos ouvidos o zumbido, o barulho, o burburinho, a conversa, a trama, as combinações para que tudo sai como deve ser. A toca cavada deve caber o grilo morto para o jantar dos filhotes quando os ovos eclodirem. A casca da árvore que é abrigo da chuva. A folha que é balsa na travessia do rio.

Vida que segue. Se a gente pudesse ouvir os bichinhos talvez fosse essa a palavra de ordem no mundo das pequenezas.

Nós, por aqui, não nos incomodamos muito com o que nos dê trabalho pra enxergar. A gente olha pra frente e mal. E pra frente o pior. De um lado para o outro. Como no espetáculo que vi ontem. De um lado para outro. Sem propósitos grandiosos porque também temos nossa pequeneza. E ela não é bela.

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A pequeneza pode ser um lugar de ação da gravidade, do que te põe no chão. Sem ser rasteiro, mas parece que a gente tem uma tendência forte a ser rasteiro, de uma pequeneza rude, de uma pequeneza histriônica. Quando os besouros, insetos e demais miudezas querem chamar atenção muitas vezes o fazem para a cópula. Para que se perpetuem. Para que continuem existindo. A gente coloca lâmpada de led em tudo e acha que resolveu a pequeneza, a falta, a carência, a busca ou sei lá mais o que que a gente tanto procura sem olhar pra baixo. Só de um lado pro outro. A gente coloca luz de led em tudo e espera a ceia. E espera os fogos. A luz atrai a todos. Alguns morrem, outros se confortam.

Mas ainda nessa pequeneza nossa de cada dia a gente pensa que é mariposa e encontra por vezes motivo para voar. Gosto da esperança. Gosto do conto de Clarice Lispector sobre a esperança. Não a ilusória, como ela mesma diz, mas aquela que pousa na parede e a gente acha que lá vem sorte pra vida.

Vida que segue. Essa é a única esperança na nossa pequeneza.

Ayla Andrade
Dezembro, 2017.

*Ayla Andrade é assistente social, cronista, contista e amante do cotidiano. Ela já publicou o livro Mais feliz dos silêncios (Editora Substânsia, 2014) e publicou contos em algumas antologias, entre elas Encontos e desencontos, Antologia Massanova e O cravo roxo do Diabo: o conto fantástico no Ceará.

 

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Colaboradores do Blog Leituras da Bel. Grupo formado por professores, escritores, poetas e estudiosos da literatura.

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