A lenda do homem que vende sua alma ao diabo sempre foi muito comentada em todo o mundo. A terra na qual ela mais se difundiu, no entanto, foi a Alemanha. Considerada o berço das bruxas desde a Idade Média, foi ali que surgiu o primeiro Fausto conhecido na história da Europa. Trata-se de Georg Faust que nasceu em Knittlingen, no século XV. Tendo feito um trato com o demônio para este servi-lo durante vinte e quatro anos, Georg Faust viveu durante todo este tempo nababescamente, até que morreu em meados do século XVI e, finalmente, segundo a lenda, foi para o Inferno servir àquele que durante tanto tempo o serviu e protegeu. Desde menino, portanto, que Johann Wolfgang Goethe ouvia contar esta e outras histórias sobre o Fausto de Knittlingen e, quando se tornou adulto, resolveu transformar o Georg Faust dos séculos XV e XVI em um de seus personagens. Assim nasceu o famoso Fausto de Goethe que, dividido em duas partes, até hoje encanta seus leitores por causa da angústia intelectual do personagem e da beleza do poema.

Natalício Barroso

[Barroso, Natalício. A tralha grega e outras tralhas.- 1ª ed. Fortaleza: Smile Editorial, 2012, p. 117].

A tralha grega e outras tralhas inscreve-se numa categoria de livros cujo título, por si só, já é suficiente para deixar qualquer leitor sequioso por folheá-lo, no mínimo, para desvendar-lhe o sentido.  Afinal, o que é uma tralha grega?, indagará qualquer  leitor que, mesmo que de relance, pouse os olhos sobre a capa da publicação. E quanto às outras tralhas, o que seriam? Pois  foi exatamente o que me aconteceu: tão logo  o tive pela primeira vez em mãos, senti-me movido por grande curiosidade para saber o que ocultava-se num título tão singular.

Bastou-me abri-lo para que o enigma começasse a ser desvelado. As tralhas gregas a que se refere o autor inscrevem-se entre as maiores obras da literatura helenista: a Ilíada e a Odisseia, de Homero, e Eneida, de Virgílio. Quanto às outras tralhas, trata-se da Divina Comédia, de Dante Alighiere, e do que o autor denomina “Outras Comédias Divinas”: o Paraíso Perdido, de John Milton, o Fausto, de Johann Wolfgang Goethe, e Os Lusíadas, de Luís de Camões.

Ao longo das 159 páginas que compõem a publicação, ao leitor é dada a oportunidade de conhecer sucintamente o enredo de cada uma dessas obras. Detentor de uma prosa fluente e agradável, aliada a uma excelente capacidade de concisão, o autor, Natalício Barroso, proporciona ao leitor de A tralha grega e outras tralhas a oportunidade de acesso a sete das maiores obras da literatura universal. Em que pese o caráter sintético da narrativa, nem por isso pode-se dizer que tenha qualquer das obras sofrido perdas devido a eventuais omissões ou supressões. De fato, é invejável a capacidade de Natalício Barroso de ser sintético sem que, por isso, se descuide de detalhes importantes que, se omitidos, causariam danos ao entendimento do leitor ou infidelidade a qualquer dos autores.

Quanto à inspiração para o título, bastante criativo, assim a explica Nícolas Cordebar, na Apresentação: “A ideia de intitular este trabalho de Tralha grega e outras tralhas, por sua vez, surgiu no dia em que Natalício, lendo um livro de Antonio Candido, Formação da literatura brasileira, deparou com uma frase do crítico paulista sobre o poeta Tomás Antônio Gonzaga. Disse Antonio Candido que Tomás Antônio Gonzaga foi o único escritor brasileiro (apesar de ter nascido em Portugal) que abandonou a ´tralha mitológica´ e apresentou Marília, personagem principal de Marília de Dirceu, como uma noiva qualquer, de carne e osso” (p. 11).

Natalício Barroso trabalhou de 1985 a 1994 no Instituto Municipal de Arte e Cultura – RioArte, no Rio de Janeiro. Ali participou da equipe que editava primeiro o jornal Letras e Artes e, depois, o jornal RioArte.  Representou o RioArte, várias vezes, no chá das cinco promovido toda quinta-feira pela Academia Brasileira de Letras. Nessas ocasiões, fez entrevistas com o então presidente da ABL, Austregésilo de Athayde.  Promoveu também um projeto intitulado Poesia Passageira, no qual foram afixados cartazes com poemas de autores brasileiros, todos de domínio público, nos ônibus do Rio de Janeiro, nas barcas, nos trens e na entrada dos metrôs. De 1995 a 1999, transferido para a Fundação Biblioteca Nacional, Natalício trabalhou no Jornal das Bibliotecas e participou da equipe que organizaou, no Salão Nobre da FBN, uma exposição sobre a vida e a obra de Cruz e Sousa. De 2000 a 2004, trabalhou na Fundação de Cultura, Esporte e Turismo de Fortaleza – Funcet.  Responsável pelo projeto intitulado Vamos Ler, Natalício publicou o Jornal Pajeú  e um livrinho de entrevistas com artistas brasileiros e cearenses chamado Edições Pajeú. Autor de vários livros, Natalício também tem se dedicado a fazer palestras sobre vários escritores da literatura universal em escolas e universidades.

Ao concluir A tralha grega e outras tralhas, Natalício Barroso brinda o leitor com um belíssimo poema intitulado Zeus, em que traça um maravilhoso e significativo paralelo entre o deus grego e Jesus Cristo, do qual destaco o seguinte trecho:

Pregado em uma cruz (o seu único trono),/foi por este Deus que a humanidade/desviou de mim os olhos/para pôr sobre Ele toda a esperança/que eu, com meus raios e trovões/não consegui lhe dar./Foi para este Deus morto/e não para mim, que nunca morri/que ela resolveu rezar e acreditar./As entranhas dos animais selvagens, portanto,/foram abandonadas/e, com elas, o voo das águias/e os sacrifícios humanos destinados, muitas vezes,/a aplacar a minha fúria/(ou a de algum de meus filhos)/quando as regiões normalmente verdes e exuberantes da terra/ eram tomadas pela seca/ ou por algum outro tipo de calamidade./Aqui estou eu, portanto,/adorando a este outro Deus no Olimpo/ que, como eu, também está ajoelhado aos pés do Calvário/porque foi ali que este Deus foi crucificado/e, com Ele,/toda a humanidade que acreditava em mim/e, hoje, ressuscitada, acredita nEle./ Nele que, com seu sangue,/e não sua espada,/venceu os outros deuses/e aqui está, no meio de nós,/sem que nenhum de nós tenha sido torturado/por Ele. (p. 154).

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Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

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