Foto: Ana Alexandrino/ Divulgação

Ainda é difícil compreender todas as sensações trazidas por uma pandemia mundial que nos obriga a ficar em casa, isolados. Ainda mais quando essa pandemia e esse isolamento chegam pouco depois do Carnaval. Mal o Brasil tirou a fantasia e o glitter, e já estava buscando formas de se aglomerar à distância, via aplicativos. Para a cantora e compositora Luana Carvalho, essas situações foram bem conflitantes uma vez que, antes da quarentena, ela passou uma temporada de dois meses na Bahia, terra sinônimo de aglomeração e Carnaval.

Para ela, esses conflitos ganharam um complicador. Sabendo que se aproximava a marca de um ano de morte da mãe, a inesquecível Beth Carvalho, Luana se via obrigada a preparar algo. Na temporada baiana, acompanhada da filha de dois anos, ela decidiu ouvir todos os discos daquela que é uma referência da MPB e ainda mais do samba. Um por um, em sequência, desde a estreia com Andança (1969) até o último, Nosso samba está na rua (2011). O esforço desaguou no EP Baile de Máscara.

Produzido por Luana e Kassin, o álbum reúne seis canções do repertório menos popular de Beth. São sambas, falam de carnaval, mas nada que fuja da ideia de conectar com o tempo presente. “Foi um ímpeto. Eu já vinha pensando nesse um ano de morte e, mesmo que eu quisesse sentar e ficar chorando, eu tinha que fazer alguma coisa. Resolvi fazer uma playlist e quando terminei a audição (dos discos), comecei a escrever algumas letras num caderno. E vinha escrevendo sobre prisões, internas e externas”, lembra ela que partiu daí para o EP. “Não é só uma regravação de músicas da minha mãe. É também uma reflexão do que vem acontecendo dentro de mim nessa quarentena. Tem a quarta-feira de cinzas e tem as cinzas da minha mãe, que estão depositadas ao lado das cinzas da Bibi Ferreira”, completa.

“Para suportar um mundo de desilusão vou usando como escudo o meu coração” defende-se Luana na faixa de abertura, Meu escudo (Décio Carvalho/ Noca da Portela) lançado por Beth em 1976, no disco Mundo Melhor. E segue com Carnaval, de Carlos Elias e Nelson Lins de Barros (“Carnaval pode ser onde for, não faz mal”); Falso reinado, de Adilson Bispo e J. Roberto (“Não vou curtir solidão pra não ferir o meu coração. Vou sair por aí”); Visual, de Neném e Pintado (“Ai que saudades que eu tenho das fantasias de cetim. O samba agora é luxo importado”); Dia seguinte, de Jota Petrolino e Carlinhos Vergueiro (“E depois, quando a festa acabar, o que vai ser dessa vida?”); e Minha festa, de Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito (“Graças a deus minha vida mudou. Quem me viu, quem me vê”).

“Eu ia lançar uma versão de Andança, que fiz com o Moreno Veloso e o Pedro Sá, mas o resultado dessas versões que não quis incluir”, comenta Luana Carvalho que buscou um meio termo entre a tradição e a modernidade para suas releituras em Baile de Máscara. Harmonizando o violão de VovôBebê com as programações de Kassin, ela conseguiu algo despretensioso e, ao mesmo tempo, rico em timbres e sentimentalidades. “Foi tudo muito fluido. Foi tudo gravado de primeira. Gravei as vozes de primeira, no dia que minha mãe morreu (em 30 de abril). Foi tudo muito forte”, destaca.

Luana Carvalho vinha preparando um novo disco, quando foi surpreendida pela pandemia. “Esse disco que estou querendo gravar, eu comecei a escrever sentado no Largo da Carioca. Queria que fosse concebido em estado de multidão, ao contrário dos primeiros”, conta ela se referindo a Branco e Sul, lançados pela Coqueiro Verde em 2017. Com produção de Moreno Veloso e participação preciosa de Ivone Lara, esse projeto de estreia nasceu único, até que surgiu um novo repertório e o álbum tornou-se duplo. Mais uma vez a surpresa se atravessa na sua produção, mas ela segue com a ideia de trazer novas parcerias e convidados, como a cantora e compositora carioca Ana Frango Elétrico.

Assim, Baile de Máscara passou à frente como uma trilha do momento mais urgente. Luana não tem planos firmados de fazer novos projetos cantando as músicas do repertório da mãe. Ela até cogita algo com os lados Bs, ou com canções gravadas por Beth fora do ambiente do samba. “Mas seria um novo propósito, num outro momento. O que eu faço é escrever e isso acaba virando música”, completa. E Luana tinha uma missão particular, extra-homenagem, de ver Beth Carvalho mais como mãe, do que como um símbolo, uma bandeira, um mito. “Eu, como filha, sempre afastava esse tamanho e deixava prevalecer a mãe. Sou filha única, sou a única pessoa que via ela como um ‘ser humano ponto’. Todo mundo tinha uma coisa na frente”, conta ela refletindo sobre quando percebeu a importância que a intérprete de Saco de feijão e Vou festejar tinha na música.

“Quando começa tudo, você entra no mundo, nasce numa coxia, não sei quantas mil pessoas assistindo sua mãe, aquilo é o que é, é meio normal. Tanto que acho que só fui virar fã da minha mãe na adolescência”, lembra Luana Carvalho, sublinhando que a questão política também foi um elemento forte e que permanece atual na voz de Beth. “A questão política é desde sempre. Eu fui a Cuba não sei quantas vezes na minha vida. Nessas idas, eu sentava pra jantar com o Fidel (Castro). Todas as reuniões políticas aconteciam na minha casa. Ela sempre estava junto de outras pessoas importantes. Se bobear, eu fui me dar conta mesmo depois que ela morreu. Quando ela virou uma lei (Nº 6.594/2019, que estabelece o ensino de música obrigatório nas escolas municipais do Rio de Janeiro). Até pra mim a importância dela cresce”.

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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