Foto: Alexandre Calladinni/ Divulgação

Dez anos separam os MTV Ao Vivo e Amor geral, último disco de estúdio de Fernanda Abreu. Nesse intervalo, a cantora e compositora enfrentou turbulências pessoais, como uma separação e um coma que sua mãe atravessou por seis anos. O retorno às gravações, em 2016, foi marcado por uma vontade de falar sobre amor, respeito e tolerância para um Brasil que se via cada vez mais dividido. O resultado foi um disco forte que rendeu uma turnê que viajou ao longo de três anos, até chegar 2020, quando a carioca quis celebrar seus 30 anos de carreira com um novo trabalho ao vivo.

Se Amor Geral foi um trabalho pessoal, que fala sobre perdas e superações, Amor Geral (A)Live era pra ser de festa, dançante, aglomerado. A gravação foi marcada para o dia 13 de março de 2020, mesmo dia em que o então governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, lançou um decreto proibindo eventos em casas de shows, por conta da pandemia do coronavirus. O público que estava na porta do Imperator teve que voltar pra casa e Fernanda, que estava se concentrando para entrar em cena, teve que repensar. “Eu reuni a equipe e falei: ‘gente, tudo bem. O show tá cancelado, mas a gravação do DVD não. A gente vai fazer o show como se tivesse aqui 2 mil pessoas gritando pela gente, adorando o show. No terceiro sinal, a gente começa e, se tiver algum problema de áudio ou de vídeo, a gente fala que vai refletir’”, relembra. “E acho que foi a melhor coisa. Pra gente conseguir manter a energia lá em cima, a veracidade, a gente teve que arriscar”.

Amor Geral (A)Live acabou se tornando um registro de um momento que deixou o Brasil em suspensão. Não por acaso, ele ganhou esse nome “a live”, para registrar também um dos produtos que tornou-se alívio em tempos de isolamento. Está tudo no DVD, o decreto, a tensão e o espetáculo que alinha 18 canções em 16 faixas. Vindo desde a estreia solo – Sla Radical Dance Disco Club (1990) – até Amor Geral (2016), ela resume uma história baseada na busca por uma linguagem pop, dançante e brasileira. Por telefone, ela conta essa história citando referências como Dj Malboro, Memê Mansur, Afrika Bambaataa, Ivo Meirelles e Funk’n’Lata. “Durante minha carreira toda, os DJs e MCs tiveram em mim uma apoiadora. Eles tiraram o funk da marginalidade”, defende Fernanda que abraçou essa turma numa época em que o funk vivia a quilômetros do mainstream. “O grande preconceito não era com a música. É por que a elite brasileira tem muita dificuldade de se ver na pobreza. E o que tinha ali é música de preto, pobre e favelado”, comenta.

Mas o cenário mudou e hoje o funk ocupa espaços nobres da programação. E Fernanda Abreu, ainda nessa busca pelo pop dançante brasileiro, alimenta projetos como um disco de releituras contando uma nova geração de DJs – com curadoria do DJ Memê. E tem o “Garotas Sangue Bom”, disco “feminino e feminista, que tem uma pegada de música eletrônica” gravado ao lado de nomes como Iza, Letrux e Anitta. Ambos os projetos estão bem encaminhados, esperando o momento certo de saírem do papel.

Até lá, a carioca que completa 60 anos em 2021 segue certa de que, sem acreditar num amor geral, o Brasil e o mundo não vão encontrar solução para seus problemas. “Esse título (do disco de 2016) é ainda muito forte. A gente não pode ser totalmente feliz num país que tem ainda uma criança sem comer. O brasileiro se colocou nesse buraco em 2018 e eu acho que a gente tem que viver na resistência. Por que a gente não pode voltar atrás de jeito nenhum. Tem uma galera com um discurso muito fascista”, lamenta a compositora de Rio 40 Graus, que apontava, em 1992, as feridas da cidade “purgatório da beleza e do caos”. “Acho que a gente está passando pela pior fase desde que me conheço por gente. O Rio de Janeiro sempre teve muita criatividade. A gente criou maxixe, samba, funk, bossa nova… Mas, alguma coisa desandou em termos de educação, cidadania, compromisso político. O carioca, que acho que é nosso maior tesouro, ele apanhou muito. Está menos atraente, está mais mal educado, mais agressivo. A gente não está sabendo votar. Você imagina que o reduto do Bolsonaro é o Rio de Janeiro, uma cidade cosmopolita. Eu não consigo mais entender, não sei te explicar por que a gente não faz um exercício de cidadania e tira essas pessoas”.

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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