Renan Barreto sempre escreveu muito. “Aposto que você escreve todos os dias também”, me disse há alguns anos em uma conversa.  É que para o niteroiense, escrever é “uma necessidade fisiológica”. A prática soa misteriosa e encantadora, como se cada nova criação tivesse vida própria e o poder de inebriar o autor como as obras mais sedutoras fazem com seus leitores.

Com oito livros publicados nos últimos cinco anos, percebe que o ato de escrever é libertário. Deu ao primeiro o nome de “O menino do Balão” (2010), quando reuniu 23 contos que nasceram em uma época que utilizava a internet para compartilhar seus escritos na então famosa blogosfera. Veio também a poesia, presente desde os 14 anos em seu “plano criativo”, para ilustrar em canções as histórias que escrevia.

“Projeto Labirintho” (2011) foi o primeiro a levar o nome do jornalista para outros continentes. Na sequência, “Lost memories of old days” (2013), uma compilação de poemas escritos na língua inglesa.

Aparentemente, trabalhar em um livro por vez não é suficiente, já que escreve os próximos dois romances paralelamente, além de continuar produzindo o mangá “Elísia”. Enquanto os novos filhos não vêm ao mundo, ele se prepara para estrear na Bienal do Livro do Rio de Janeiro com “Vernon” (2014), o título que melhor representa o ponto de virada na carreira do escritor de 27 anos.

Imagem: Paulo Veiga/ Divulgação

Imagem: Paulo Veiga/ Divulgação

Em entrevista ao Repórter Entre Linhas, por e-mail, Renan Barreto lembra a importância de ter começado em blogs até chegar a distribuição por uma grande editora. Entende-se que a escrita está além da inspiração. “Escrever”, defende, “é vital para o escritor como é respirar para qualquer ser humano”.

Escrever é mais do que trabalho ou amor à arte, é uma necessidade quase fisiológica”. – BARRETO, Renan.

Você começou compartilhando seus poemas na blogosfera. Qual a influência da internet nos seus trabalhos publicados?

Renan: Nossa! Que memória. Sempre via poesia como uma forma de arte que contasse uma história sem o esforço de um romance. Foi uma válvula de escape para diversos anseios meus. A internet me influenciou por ter me feito conhecer grandes autores desconhecidos, mas com produções maravilhosas. Não me prendo apenas à poesia, mas arte também. Um grande parceiro feito nesse tempo foi o Rubens Medeiros, designer de mão cheia, que embarca comigo em algumas ideias. Ele fez a capa de “O menino do Balão” e a primeira versão de “Projeto Labirintho”.

“O menino do Balão” é uma coletânea de contos. Quando você se deu conta que tinha um livro?

O menino do balãoRenan: A coletânea é uma grande mistura de textos experimentais que produzi para mim, apenas para poder dizer que tinha feito. O livro é repleto de metáforas filosóficas, mas engana o leitor pela capa. A primeira vista o leitor acha que é um livro infantil, mas é uma obra que contém suicídio logo no conto que dá nome ao livro. Acabou sendo publicado pela ideia de uma amiga, ainda em 2009.

A dobradinha “Projeto + Além do Labrintho” segue o legado narrativo deixado pelo clássico “O Senhor das Moscas” (de William Golding) e traz referências à TV e ao cinema de Glauber Rocha. Como isso influencia na criação?

Renan: Na vida tudo é referência. As nossas experiências nos moldam e nos fazem enxergar o universo através de uma ótica construída por meio dos anos. Em todas as minhas obras há referências a tudo que vi e vivi. Mas só uso a inspiração vinda de algum momento que fui tocado pela arte de outra pessoa. A minha relação íntima com games me faz compreender essa mídia como um meio para encontrar boas histórias e buscar reflexões que não fazia até então.

Acho que menos de 5% das pessoas que leram “Além do Labirintho” compreenderam as referências a Glauber Rocha. Embora o livro pouco tenha a ver com o cinema de Glauber, quis fazer isso por conta da importância que ele teve no cinema nacional. Escondi o que queria mostrar, essa dicotomia paradoxal parece estranha, mas quis homenageá-lo sem ser piegas. Não é uma homenagem vazia. Seu significado está lá na obra, em que tento trazer à tona toda questão sobre liberdade que acabamos não debatendo.

“Vernon” foi o primeiro livro publicado por uma grande editora. Como se deu a aproximação com a Novo Século?

Renan: Foi uma boa experiência e ampliou o mercado para mim, mas poderia ter sido um trabalho em conjunto mais completo. Já escrevo e publico desde 2010, mas a editora foi responsável por levar a obra a lugares que sozinho seria incapaz. Hoje, publico pela Amazon versões em português e em inglês do meu trabalho. O resultado tem me surpreendido. Recebo alguns emails sobre um livro ou outro e são sempre comentários bons e as críticas construtivas. Espero poder melhorar sempre.

E como foi o processo para publicar “Labirintho” no exterior?

Renan: Essa foi uma experiência bem legal. O livro foi lançado em Los Angeles em 2013, se não me falha a memória. Hoje, todos os meus livros são laçados globalmente pela Amazon. O meu mangá “Elísia”, que teve dois volumes publicados está no Japão. Isso para mim é sensacional. É o poder da distribuição digital e sob demanda. É um grande orgulho poder ver o trabalho transcender as barreiras do físico e das fronteiras nacionais.

A estrutura de “Vernon” lembra muito a estrutura de séries de TV. Foi intencional?

Vernon

Renan: Sim, ele foi totalmente pensado como uma série de TV. Na verdade, em “Projeto” e “Além do Labirintho” eu já escrevi cada capítulo como se fossem episódios de TV. Em “Vernon” estava mais maduro no processo da escrita. Acredito ter desenvolvido os personagens bem lentamente como num livro, mas me utilizado de artifícios da TV, como a velocidade dos acontecimentos. Parece engraçado, os acontecimentos apresentados de forma veloz e os personagens mais lentamente. Assim como ele, o próximo grande livro “A Ira de Pandora” segue o mesmo modelo de criação.

O livro faz uma espécie de crossover com “Labirintho”. Você pretende dar continuidade a esse fio condutor que liga as histórias em lançamentos futuros?

Renan: A criação desse universo se deu de forma muito orgânica. Queria fazer as conexões nas minhas histórias, mas sem impedir a compreensão de quem lê fora da ordem, até porque não existe ordem correta. Haverá outros livros que se passam em tempos cronológicos diferentes, mas que habitam esse universo também.

Em qual projeto você está trabalhando agora?

Renan: Nesse momento estou trabalhando muito no terceiro volume de “Elísia“, mangá que publico desde janeiro deste ano. Além dele, trabalho no projeto “O Cidadão de bem: uma história sobre hipocrisia”, que trará Andrei, personagem de “Vernon”, anos antes. Acredito que eu irei mudar esse título por conta de uma reflexão recente que fiz sobre o cenário da nossa sociedade atualmente. Estou trabalhando também em um livro de poesias mais densas chamado “Canções de um concreto abstrato” e o novo grande livro “A Ira de Pandora”. Esse se passa no mesmo universo de “Vernon”, mas está situado no futuro próximo. Não tem ligações com a história do livro que impeça a leitura. Quando me refiro a essa obra como o próximo grande livro é que ele passa pelo mesmo processo de criação de “Vernon”. Já trabalho nele há mais de um ano.

Você discute o conceito de liberdade nos livros. Por quê?

Renan: A minha esposa é psicóloga. Vira e mexe ela diz que a falta que existe em mim é a não compreensão sobre o tempo. Busco compreendê-lo através dos meus trabalhos, mas a cada obra, parece que faltou algo a ser discutido. Uma das questões acerca do tempo que é importante para mim é a liberdade. Não somos livres para nada, somos presos pelo tempo. Estamos fadados a morrermos, presos numa estrutura de carne e fluídos, estamos presos ao poder institucional do Estado e Econômico. O que podemos fazer além de pagarmos nossas contas, comermos, dormirmos e procriarmos? Há tanto a se discutir sobre isso… Um dos tropeços que damos é quando deixamos de fazer algo que amamos pelo medo de dar errado. Tá vendo? Somos presos em nós mesmos.

About the Author

Rubens Rodrigues

Jornalista. Na equipe do O POVO desde 2015. Em 2018, criou o podcast Fora da Ordem e integrou as equipes que venceram o Prêmio Gandhi de Comunicação e o Prêmio CDL de Comunicação. Em 2019, assinou a organização da antologia "Relicário". Estudou Comunicação em Música na OnStage Lab (SP) e é pós-graduando em Jornalismo Digital pela Estácio de Sá.

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