Artista Celos pinta mural no centro de Los Angeles em protesto contra a morte de George Floyd, no dia 30 de maio (Apu Gomes / AFP)

Artistas mundo afora ajudaram a promover ontem a #BlackOutTuesday (“terça-feira do apagão”, em tradução livre), campanha que chegava às redes sociais acompanhada de uma imagem completamente preta com a intenção de apoiar o movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam). O termo #TheShowMustBePaused (“o show deve ser pausado”) também ganhou notoriedade.

O protesto online teve dois estopins que já haviam tomado às ruas, principalmente nos Estados Unidos, país que sempre teve de conviver com as profundas cicatrizes do racismo e suas reverberações.

A motivação global foi a morte do preto George Floyd, asfixiado pelo policial branco Derek Chauvin, em Minneapolis. A CNN e a NBC chegaram a veicular que a “joelhada no pescoço” é imobilização comum, usada pelo menos 428 vezes, segundo os próprios registros policiais, desde 2012. No Brasil, tivemos como gatilho a morte do pequeno João Pedro, assassinado durante – surpresa – operação policial no Rio de Janeiro.

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Impulsionada pela indústria da música, a campanha ganhou ainda mais aderência com a participação de empresas gigantes como Apple e Spotify, além de artistas como Elton John, Mick Jagger, inúmeras outras estrelas. A lista é grande. Por outro lado, teve quem reclamasse. O cantor Lil Nas X questionou: “Isso não está nos ajudando. Quem diabos pensou nisso?”. Elza Soares declarou: “Eu quero é luz, quero foco em nós, no povo preto desse país!”

Não faltou post nas redes sociais argumentando que a tal da tela preta não fosse usada com a hashtag #BlackLivesMatter para não atrapalhar a busca por conteúdos realmente úteis e positivamente impactantes para a causa.

Por que uma tela preta representa em algum nível o movimento? Por que a escolha de “apagar” a postagem ao invés de publicar conteúdo produzido por artistas, estudiosos e outros profissionais negros? Essas são algumas perguntas que ficaram na minha cabeça durante o dia de ontem. Não são questionamentos para deslegitimar, mas para entender.

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Honestamente, não compreendi que consciência racial há em se esconder por trás de uma tela preta. Entrar no zeitgeist não deveria ajudar a diminuir a culpa de não-negros por fazer parte de um sistema social de manutenção de privilégios que é naturalmente segregador.

Eu só consigo me perguntar: quantos continuarão sendo antirracistas após a hashtag? Quantos irão escolher ser atendidos por um profissional negro? Quantos não irão questionar a qualificação de um preto ou seu mérito por ocupar um cargo de poder? Quantos autores negros serão lidos nas escolas? São respostas que não tenho.

É sintomática a escolha da tela preta acompanhada da hashtag do “apagão”. Apagamento das minorias é protocolar e é projeto de quem interessa segregar. A história da humanidade está fundamentada nisso. De apagamento, as vidas negras entendem bem. Esconder-se atrás de um quadrado preto pode ser perigoso, penso. Preto é para ser visto.

About the Author

Rubens Rodrigues

Jornalista. Na equipe do O POVO desde 2015. Em 2018, criou o podcast Fora da Ordem e integrou as equipes que venceram o Prêmio Gandhi de Comunicação e o Prêmio CDL de Comunicação. Em 2019, assinou a organização da antologia "Relicário". Estudou Comunicação em Música na OnStage Lab (SP) e é pós-graduando em Jornalismo Digital pela Estácio de Sá.

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