66983_479Começo a refletir longamente sobre como é difícil falar de provas quando não se conhece o mecanismo de transferência – a forma como personalidade, identidade e memória podem ser transferidas de um corpo para outro. Então, paro imediatamente. Ouço minhas próprias divagações e percebo o que Stevenson realmente está me perguntando: depois de tudo o que vi, pelo menos eu acredito? Eu, que sempre olhei para dentro de mim mesmo sem jamais ter visto um sinal ou ouvido um sussurro de qualquer outra vida que não fosse a minha, o que acho de tudo isso? Ele quer saber. Está me fazendo uma pergunta e merece uma resposta.

Tom Shroder

[Shroder, Tom. Almas antigas: a fascinante história de um pesquisador e sua busca de evidências da reencarnação. Tradução de Simone Lemberg Reisner. – Rio de Janeiro: Sextante, 2001, p. 14].

Por duas vezes estive na Ásia. Na primeira, estive na Índia e no Nepal; na segunda, fui à China, Tibete e, mais uma vez, ao Nepal. Ao realizar essas duas viagens, o meu grande objetivo era o Himalaia. Senti uma emoção enorme, em ambas as ocasiões, quando meus  pés tocaram o solo da cordilheira. Alguma coisa muito forte me liga ao Himalaia, algo de uma ordem que foge à minha compreensão. É um aspecto importantíssimo da minha vida nunca totalmente esclarecido, a atração pelo Himalaia e tudo que lhe diz respeito.

Quando fiz minha primeira jornada, como peregrino, não como turista, eu tinha vários objetivos, não sendo o menor a esperança de que me ocorresse alguma experiência que me permitisse esclarecer uma questão para mim ainda não resolvida: a da existência ou não da reencarnação. Na primeira vez, nenhum esclarecimento obtive. Na segunda, quando fui ao Tibete, um fato muito singular me aconteceu na cidade de Shigatse. Senti-me muito perturbado na ocasião. Fiz algumas anotações lá mesmo e deixei para explorar depois as possíveis consequências. Um ano depois, publiquei o livro Viagem mística no Tibete, onde mencionei o fato apenas de forma incidental, não fornecendo maiores detalhes.

Devo dizer que a questão permanece ainda em aberto. Incluo a reencarnação no rol das questões que, no meu caso, não dá para resolver com o recurso dos argumentos racionais. Há argumentos tão bons para defender quanto para contestar a existência da reencarnação. Afirmar acredito ou não acredito não teria para mim qualquer valor, uma vez que agindo assim eu a estaria considerando apenas uma questão de crença ou descrença. Qualquer pessoa tem liberdade para acreditar ou não no que lhe aprouver, mas proceder assim com relação a certas questões não me satisfaz.

Apesar da importância que atribuo à questão, tenho muita resistência a livros que tratam do assunto. Isso porque a maioria deles adota uma das duas perspectivas, ou a proselitista ou a contestatória, na mais das vezes com argumentos muito superficiais e simplórios, carentes de uma sustentação sólida calcada em fatos. Mas, vez por outra, descubro um ou outro livro cuja leitura vale a pena. Entre estes destaco o do jornalista americano Tom Shroder, Almas antigas: a fascinante história de um pesquisador e sua busca de evidências da reencarnação. A leitura deste livro foi tão importante e prazerosa que na primeira página anotei as datas de início e conclusão da leitura: 20 a 25/07/2001.

No livro, o jornalista acompanha o Dr. Ian Stevenson, médico, psiquiatra e professor da Universidade de Virgínia – que há mais de trinta anos vem se dedicando ao estudo de casos que possivelmente evidenciariam a existência da reencarnação -, em uma jornada pelo Líbano, Índia e sul dos Estados Unidos, onde têm contato com algumas crianças que relatam fatos que sugerem a reencarnação. São casos realmente surpreendentes. Mesmo assim o autor não fecha a questão, conforme a conclusão expressa durante uma conversa com um amigo:

“- E acho – prossegui – que afirmar que essas crianças sabem o que sabem porque são reencarnadas me parece simplista demais. Linear demais. É aceitar que sabemos o que não sabemos, como, por exemplo, o que é o tempo, ou o que é a identidade pessoal. Por isso, estou chegando à mesma conclusão a que já tinha chegado antes: essas crianças não são importantes pelo que dizem sobre detalhes específicos ou sobre o que acontece após a morte. Sua verdadeira importância está no que dizem sobre o funcionamento do mundo: que ele é misterioso, que existem forças maiores em ação, que, de alguma maneira, todos nós estamos unidos por forças que ultrapassam o nosso conhecimento, mas que, definitivamente, não são irrelevantes para as nossas vidas” (p. 233).

About the Author

Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

View All Articles