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Vasco Arruda

677 Articles

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

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Vasco Arruda

Como imaginá-lo? Como um autêntico mestre espiritual, um guru, um bom velhinho, baixinho e atarracado, robusto e bonachão, aos pés do qual todos gostam de sentar para ouvir-lhe as palavras, desfazer as dúvidas e aprender a viver. Mas, como qualquer outra pessoa, nosso bom velhinho chegou ao fim de sua peregrinação terrestre. Foi na noite de 22 para 23 de abril que ele passou desta vida para a paz do Senhor: exatamente 53 anos depois de ter deixado os campos, os bois, o arado, para imitar São Francisco no seguimento de Jesus Cristo.
Frei Ary E. Pintarelli, OFM
[Introdução a: Pintarelli, Ary E. Sabedoria de um simples: Os ditos do Beato Frei Egídio de Assis. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997, p. 24]

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Vasco Arruda

A obra de Rainer Maria Rilke capturou a imaginação de músicos, filósofos, artistas, escritores e amantes da poesia, e estendeu o alcance da poesia a pessoas raramente interessadas em elocuções humanas versificadas. Marlene Dietrich, Martin Heidegger e Warren Zevon recitavam de cor poemas de Rilke. Essa capacidade das palavras de Rilke de tocar de pessoas tão diferentes como se cada palavra tivesse sido escrita só para elas, à parte sua estima entre colegas poetas e acadêmicos, confere à sua poesia a força que ela tem e impediu sua obra de se tornar um mero artefato da civilização que Hegel foi o primeiro a chamar de Velha Europa. O poder dos escritos de Rilke resulta de sua habilidade em entrelaçar a descrição de objetos cotidianos, sentimentos minuciosos, pequenos gestos e coisas desprezadas – aquilo que constitui o mundo para cada um de nós – com temas transcendentes. Ao entrelaçar o cotidiano e o transcendente, Rilke insinua em sua poesia – e explica minuciosamente em suas cartas – que a chave para os segredos de nossa existência pode ser encontrada bem diante de nossos olhos. Essa insinuação não é domínio exclusivo da obra poética de Rilke, que abrange 11 coletâneas publicadas antes de sua morte, em 1926, e um grande número de poemas publicados postumamente. Ele foi um epistológrafo prodigioso, e em sua correspondência espantosamente vasta Rilke se solta das coerções do verso alemão para produzir reflexões contundentes e acessíveis sobre um amplo espectro de tópicos.
Ulrich Baer
[Baer, Ulrich. Introdução a Rilke, Rainer Maria. Cartas do poeta sobre a vida: a sabedoria de Rilke. Organização Ulrich Baer; tradução Milton Camargo Mota. – São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 10. – (Coleção Prosa)]

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Vasco Arruda

No centro, contudo, está Ele, o Filho, cuja figura aparece naquele pequeno Credo presente nas palavras do anjo, verdadeira identidade de Cristo. Ele é Jesus, um nome comum em Israel mas cujo significado é altíssimo: Salvador. Ele é Grande e Rei eterno (“O Senhor Deus Lhe dará o trono do seu pai David e reinará para sempre sobre a casa de Jacob e o seu reino não terá fim”, vv. 32-33). Com estes dois títulos, Jesus surge como o herdeiro da promessa davídica: “Fiz o teu nome tão grande… Firmarei para sempre o seu trono régio. Serei para Ele um Pai e Ele será para mim um Filho… A tua casa e o teu reino permanecerão para sempre” (2Sm 7,9.13.14.16). Jesus é, portanto, o Messias davídico. O anjo alinha outros três títulos cristológicos: Filho do Altíssimo, Filho de Deus, Santo. João Batista é chamado “grande diante do Senhor” (v. 15), Jesus é o Grande em absoluto. João Batista é “cheio do Espírito Santo desde o seio de sua mãe”, mas relativamente a Jesus é o próprio Espírito Santo que “desce” para O constituir como homem; João Batista é destinado a “preparar um povo ao Senhor” (v. 17), Jesus pelo contrário tomará posse e reinará sobre o povo de modo eterno” (v. 33).
Gianfranco Ravasi
[Ravasi, Gianfranco. Os rostos de Maria na Bíblia: trinta e um “ícones” bíblicos. Tradução de Maria Pereira – TRADUVÁRIUS, Lisboa: Paulus Editora, 2008, p. 155.]

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Vasco Arruda

Na gruta de Nazaré encontram-se Deus e o homem, anulando qualquer distância. Por agora, de um lado, está o anjo, o sinal do divino, e do outro, Maria, uma menina talvez de uns doze anos, segundo a práxis nupcial antiga do Oriente. Aliás, o ano do seu nascimento é desconhecido, tal como tantas outras datas da sua vida. Podemos avançar uma hipótese, tendo, no entanto, em conta que o início da era cristã, com base no qual calculamos nossos anos, não é correto por causa de um erro do primeiro que fez essas contas, o monge do século VI, Dionísio, o Pequeno. De fato, se Herodes morreu no ano 4 a.C., é preciso retrodatar o nascimento de Cristo pelo menos no ano 6 a.C. Considerada depois a jovem idade em que a mulher contraía matrimônio no antigo Próximo Oriente, podemos pensar que Maria tenha vindo a este mundo por volta de 18-20 a.C., quase certamente em Nazaré, apesar de os evangelhos apócrifos a dizerem natural de Jerusalém. Mas o primeiro acontecimento registrado pelos evangelhos canônicos é precisamente o encontro com o anjo. Um encontro narrado segundo os moldes dos famosos relatos de anunciações de nascimentos gloriosos, já conhecidos no Antigo Testamento e presentes em Lucas, como a anunciação a Zacarias (1,5-38), e em Mateus com a referida anunciação a José. Eis, então, a aparição angélica (Gabriel, como para Zacarias); eis a razão do temor da pessoa eleita (“ela ficou perturbada… Não temas…”); eis o grande anúncio central (“conceberás um filho e chamá-lo-ás Jesus…”) com o nome e o destino do nascituro; eis a objeção (“como será possível? Não conheço homem”) e eis, enfim, o sinal (o concebimento de João Batista por parte de Isabel).
Gianfranco Ravasi
[Ravasi, Gianfranco. Os rostos de Maria na Bíblia: trinta e um “ícones” bíblicos. Tradução de Maria Pereira – TRADUVÁRIUS, Lisboa: Paulus Editora, 2008, p. 154.]

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Vasco Arruda

O anjo espera a tua resposta, ó Maria! Esperamos também nós, ó Senhora, este teu dom que é dom de Deus. Está nas tuas mãos o preço do nosso resgate. Responde depressa, ó Virgem! Pronuncia, ó Senhora, a palavra que a terra e o céu esperam. Dá a tua palavra e acolhe a Palavra; diz a tua palavra humana e concebe a Palavra de Deus; pronuncia a tua palavra que passa e estreita no teu seio a Palavra que é eterna… Abre, portanto, ó Virgem bendita, o teu coração à fé, os teus lábios à palavra, o teu seio ao Criador. Eis, aquele que é o desejo de todas as gentes, está fora e bate à tua porta… Levanta-te, corre, abre! Levanta-te com a tua fé, corre com o teu afeto, abre com o teu consentimento.
São Bernardo
[Citado em: Ravasi, Gianfranco. Os rostos de Maria na Bíblia: trinta e um “ícones” bíblicos. Tradução de Maria Pereira – TRADUVÁRIUS, Lisboa: Paulus Editora, 2008, p. 156.]

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Vasco Arruda

Ou o Cristo “é” ou “não é”. Ou é o Verbo encarnado que falou de si mesmo, ou não é. […] Vale a pena pensar nisto com toda a atenção porque é perfeitamente possível […] que o Cristo seja o Cristo. […] Convencer, eu não posso. Como poderia eu convencer alguém que resiste a Deus? Posso entretanto fazer […] um convite ao desespero. […] Ou Deus é ou não é. E se não é, acabou-se; que não seja. […] Ali está o caminho que não é a Verdade e a Vida: entremos. […] Nada adianta. Nem ser bom, nem ter caráter, nem ter vergonha, nem ter sentimentos. […] Ou o Cristo ressuscitou ou não; e se não ressuscitou, nós somos as mais desgraçadas criaturas porque perdemos a última aposta.
Gustavo Corção
[Corção, Gustavo. A Descoberta do Outro, págs. 109-111. Citado em: Braga, Marta. Lições de Gustavo Corção. – São Paulo: Quadrante, 2010, p. 56. – (Coleção Vértice; 71)]

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Vasco Arruda

O clima do vale, abrigado dos ventos, é quente durante o dia e frio à noite. Mas por volta do meio-dia é frequente ouvir o ruído das avalanches do monte Karakal. Os costumes e o clima de Shangri-La parecem estar na origem de um estranho fenômeno de prolongação anormal da duração da vida, acompanhada de um envelhecimento tardio.
Alberto Manguel e Gianni Guadalupi
[Manguel, Alberto & Guadalupi, Gianni. Dicionário de lugares imaginários. 1ª reimpressão. Ilustrações de Graham Greenfield e Eric Beddows; mapas e plantas de James Cook; tradução de Pedro Maia Soares. – São Paulo: Companhia das Letras, 2005, verbete: Shangri-La, p. 396.]

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Vasco Arruda

Hoje apareceu o esplendor da púrpura divina, e a miserável natureza humana foi revestida da dignidade real. Hoje, segundo a profecia, floresceu o cetro de Davi, o ramo sempre verde de Aarão, que por nós produziu Cristo, ramo da força. Hoje de Judá e de Davi saiu uma virgem jovenzinha que leva o signo do reino e do sacerdócio daquele que, segundo a ordem de Melquisedeque, recebeu o sacerdócio de Aarão. Hoje a graça, purificando o princípio místico do divino sacerdócio, tece-lhe, à maneira de símbolo, o vestido da semente levítica, e Deus tinge a púrpura real do sangue de Davi. Para dizer tudo em uma palavra: hoje começa a reforma da nossa natureza, e o velho mundo, sujeito a uma transformação toda divina, recebe as primícias da segunda criação.
Santo André de Creta.
[Santo André de Creta, patriarca († 740), Vergine Madre. Citado em: Sgarbossa, Mario. Os santos e os beatos da Igreja do Ocidente e do Oriente: com uma antologia de escritos espirituais. Tradução Armando Braio Ara. – São Paulo: Paulinas, 2003, p. 691.]

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Vasco Arruda

Quanto ao Jesus histórico, é claro que dele não sei mais do que qualquer um, quer dizer, quase nada. Se confiamos, por falta de melhor, nos Evangelhos, temos primeiro a ideia de um exaltado simpático, de uma espécie de pregador itinerante, evidentemente sincero, evidentemente desinteressado, que anunciava a todos a iminência do Juízo Final ou do fim dos tempos… Que se tenha enganado está bastante claro, e não tem grande importância. Quero crer que ele compreendeu, no meio do caminho, que acabou por compreender que o essencial não estava aí: que o Reino de Deus não era o que deveria advir, mas o que já havia começado. Não somente “muito próximo”, como diz o Evangelho de Marcos, mas aqui mesmo. Não vindouro, mas presente, mas para viver, aqui e agora para viver. Não prometido, mas dado. Objeto não de esperança mas de amor, não de fé mas de conhecimento. “Quero crer”: quer dizer, não sei nada disso. Mas esse é o Cristo a quem amo, aquele que criei pouco a pouco para mim, aquele que me acompanha, e o único que me esclarece. É o Cristo de Spinoza, disse-o, ou um Cristo spinozista, e isso dá no mesmo. É o Cristo de Alain: a criança nua, entre o boi e o burrico, o espírito crucificado, entre dois ladrões. É, pois, o Cristo de todo o mundo – o Presépio, o Calvário – , o dos mitos e das lendas, o único que conhecemos, no fundo o único que importa, mas liberto da religião, mas não prometendo nada mais do que tudo, ele também – como os gregos, como os verdadeiros mestres -, e não outro reino além deste mesmo onde já estamos… Este Cristo, mesmo heterodoxo (mas que vale a doxa nesses domínios?), mesmo inventado (como proceder de outra maneira?), não deixa, porém, de se relacionar com os textos do Novo Testamento, ao menos com alguns deles. Por exemplo, no Evangelho segundo São Lucas: “Tendo-lhe os fariseus perguntado quando viria o Reino de Deus, ele lhes respondeu: ´O Reino de Deus não vem como um fato observável. Não se dirá: ´Aqui está´ ou ´Lá está`. Pois o Reino de Deus está em vós” (entos humôn), ou “ente vós”, ou “no meio de vós” (todas essas traduções, embora menos evidentes, são aceitáveis), ou talvez, melhor ainda, e como dizia o Evangelho de Tomé, o Reino de Deus está ao mesmo tempo “em vós e fora de vós”. É o que Guillemin, em L´affaire Jésus, denominava com razão “a grande revelação-divulgação que o nazareno trazia”, da qual eu diria de bom grado que põe fim, para mim, a qualquer religião revelada, e mesmo a qualquer religião. Se o Reino está em nós, e se estamos no Reino, para que serve a fé e a esperança? Não se deve crer em mais nada; deve-se conhecer tudo. Não se deve ter esperança em mais nada; deve-se amar tudo. Isso coincide com a lição dos místicos, em todos os países. Por exemplo, Nagarjuna: “Enquanto fazes uma diferença entre o nirvana e o samsara, estás no samsara”. Meu Cristo interior diria igualmente de bom grado: “Enquanto fazes uma diferença entre o Reino e este mundo de miséria, estás neste mundo de miséria”. É a Boa Nova dos Evangelhos, tais como os leio: já estamos salvos. Mas singularmente rude: já que nada mais deixa para ter esperança! Suporta-a quem pode, e quase não o podemos. A esperança é mais fácil; a religião é mais fácil. Mas “cumpre ater-se ao difícil”, como diz Rilke: isso indica o caminho, onde já estamos, onde avançamos como podemos, no cansaço, no sofrimento, na angústia – na alegria por vezes. Foi isso a que chamei a sabedoria do desespero, a que Cristo antes chamaria a sabedoria do amor, e é ele, com certeza, que tem razão. Nada para crer, nada para ter esperança. Não há outra salvação senão viver, não há outra salvação senão amar: o Reino é aqui na terra; a eternidade é agora.
André Comte-Sponville
[Comte-Sponville, André. Bom dia, angústia! Tradução Maria Ermantina Galvão G. Pereira. – São Paulo: Martins Fontes, 1997, p. 143.]